Documentos do SNI mostram que militares monitoraram Tancredo Neves de perto

documentos-do-sni-mostram-que-militares-monitoraram-tancredo-neves-de-pertoNa madrugada de 15 de março de 1985, pouco antes de sua posse, que se daria no mesmo dia, o ex-governador de Minas Gerais Tancredo de Almeida Neves passou mal com dores abdominais. Começava ali, a partir da internação no Hospital de Base de Brasília, não só a sua agonia pessoal, mas a agonia de todo o Brasil. A alegria pelo nascimento da chamada Nova República, que surgiu com a eleição indireta de Tancredo, deu lugar à tristeza e a expectativa sobre o estado do presidente, um drama que durou 34 dias, até sua morte, em 21 de abril.
Tancredo foi eleito pelo colégio eleitoral em 15 de janeiro de 1985, dois meses antes de ser internado. Foi a última eleição para presidente disputada indiretamente. O ex-governador mineiro derrotou o hoje deputado Paulo Maluf (PP-SP), candidato do regime militar. Desde o lançamento de sua candidatura, Tancredo já era tido como favorito. E cada passo da sua candidatura era acompanhado de perto pelos arapongas do Serviço Nacional de Informações (SNI), conforme apontam documentos exclusivos obtidos pelo Fato Online e que serão publicados nesta série que se inicia agora, sobre os 30 anos da morte de Tancredo. Os documentos mostram que a vitória de Tancredo não era mais uma surpresa para o general presidente João Figueiredo e os demais componentes da moribunda ditadura militar. Os relatórios do SNI já apontavam claramente que Tancredo seria o vencedor da disputa eleitoral. Em vídeo, os jornalistas Carlos Marchi e Pedro Luís Rodrigues, que foram assessores de Tancredo, contam detalhes da campanha, da agonia da doença e da tristeza da morte do ex-presidente.

“Atualmente, está definida a vitória do candidato da oposição que já teve oportunidade de expressar a intenção de não efetuar mudanças radicais no funcionamento do órgão”, diz um relatório do SNI datado de 13 de setembro de 1984. A frase aponta para duas evidências. A primeira: o favoritismo de Tancredo já era sentido meses antes da eleição, que aconteceu no dia 15 de janeiro de 1985. A segunda: o SNI já estava preocupado com a sua própria sobrevivência com o iminente fim da ditadura militar.

O documento era uma espécie de orientação sobre o que fazer após a vitória de Tancredo e uma possível visita do presidente eleito ao próprio serviço de arapongagem após sua posse. Assim, o SNI avalia se não seria conveniente suspender um pouco antes da posse alguns de seus expedientes de espionagem, como os grampos telefônicos. “Pareceria mais conveniente a iniciativa da desativação precoce, preferível antes de 15 jan (janeiro)”, ressalta o relatório, de oito páginas.

Vigilância constante

Se a certeza da vitória próxima de Tancredo arrefecia os ímpetos dos arapongas, até então o candidato da oposição à vitória no Colégio Eleitoral vinha sido monitorado de perto. Antes, durante e mesmo depois da sua vitória. O SNI chegou a montar um dossiê sobre Tancredo, a partir de informações da Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais. O relatório, com 10 páginas, traz dados desde 1947 e prossegue até 1977, quando os papéis foram produzidos. Além de falar sobre as atividades políticas de Tancredo, o dossiê enumera diversas entrevistas dadas por ele, destacando sempre as críticas ao regime militar, mas ressaltando que Tancredo sempre adotava um tom cauteloso e conciliador ao falar.

Tancredo Neves era tido como a esperança para os brasileiros, depois de 21 anos de ditadura militar. De todos os setores da sociedade, dos partidos tidos como esquerdistas, com exceção do PT, que não permitiu que seus parlamentares votassem nele no Colégio Eleitoral. Por contrariarem a decisão tomada pelo partido, o PT expulsou três deputados que votaram em Tancredo: Bete Mendes, Airton Soares e José Eudes.

Depois da derrota em 1984 da emenda Dante de Oliveira, que tentou restabelecer a eleição direta para presidente da República, a candidatura de Tancredo era uma forma de tentar derrubar a ditadura militar usando as suas próprias regras. Apostando em dissidências à candidatura oficial governista, Paulo Maluf, Tancredo acreditava que poderia sair-se vencedor numa eleição indireta no Colégio Eleitoral. Mesmo aceitando a regra de ter um presidente escolhido por um pequeno grupo de algumas centenas de pessoas, Tancredo avaliava que era possível enfrentar dessa forma o regime da época. “O sistema de escolha do presidente pelo Colégio Eleitoral abre-se sob a pressão da opinião pública e vai servir, agora à transição democrática”, disse Tancredo, ressaltando: “A eleição, ainda imperfeita, por não se ter podido organizar para a participação direta do povo com o voto de nossos mais de 60 milhões de eleitores, mesmo assim registrará importantíssimo progresso”.

A eleição de Tancredo Neves foi alavancada, na verdade, um ano antes, durante o movimento das Diretas Já, que reuniu no dia 25 de janeiro, mais de 1,5 milhão de pessoas no Vale do Anhangabaú, em São Paulo. A sociedade queria a aprovação da emenda Dante de Oliveira, que dava aos brasileiros o direito ao voto para presidente da República. Artistas de renome, assim como entidades de classe se uniram a políticos como o próprio Tancredo, Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Lula, Orestes Quércia, entre outros, para realizarem o maior movimento político da história do Brasil. O comício das Diretas Já, em 25 de janeiro de 1984, começava a mudar o país e, a eleição indireta de Tancredo, no dia 15 de janeiro, concretizava o fim da ditadura no país.

Comunistas

Se o PT torcia o nariz para a solução de derrubada da ditadura via Colégio Eleitoral, o mesmo não acontecia com os demais partidos de esquerda. E eles, aliados a Tancredo Neves, eram os principais alvos dos agentes do SNI. Em especial o PCdoB. Além de as legendas comunistas ainda estarem na ilegalidade à época, o serviço secreto temia que eles pudessem influenciar no futuro governo, inclusive na nomeação de cargos. Nem mesmo quando Tancredo estava internado, em São Paulo, a atenção era em torno de seu então vice-presidente, José Sarney que, mesmo sendo um dissidente do PDS, tinha apoio dos comunistas, para desespero dos militares.

Um exemplo disso é um informe produzido em 6 de abril de 1985, 15 dias antes da morte de Tancredo Neves. O serviço secreto selecionou quatro pontos desta preocupação, sendo que o primeiro era o desencadeamento de uma campanha pelo PCdoB junto à população brasileira para confirmar a legitimidade de José Sarney como presidente interino do país. O segundo item do documento mostrava uma preocupação do PCdoB com um novo golpe militar, algo que estaria sendo aventado por militares mais radicais, que não aceitariam José Sarney, “no caso do presidente Tancredo Neves vir a falecer”.

Em seguida, o SNI recomenda: “Acompanhar e informar sobre qualquer campanha desenvolvida pelo PCdoB ou por outra organização ideológica, visando a legitimar ou não a posição do presidente interino”. Além disso, havia uma preocupação com os integrantes da própria caserna, como alertou o documento do SNI ao determinar: “Aprofundar todas as movimentações realizadas por setores militares que traduzam insatisfação política”.

O Serviço Nacional de Informações também monitorou os movimentos políticos dentro da chamada Frente Liberal, que uniu o PMDB a outros partidos em prol da candidatura de Tancredo Neves. Isso aconteceu antes das eleições no Colégio Eleitoral, como mostrou o relatório 2246, produzido pelo órgão de inteligência, em abril de 1984. O documento mostrou que havia, dentro do PMDB, uma insatisfação com a possibilidade de Sarney se tornar vice-presidente da chapa de Tancredo.

Os insatisfeitos, segundo o relatório, eram os integrantes do chamado “grupo pró-diretas”, que seriam contrários ao Colégio Eleitoral. Conforme o documento, a rejeição ao então senador do PDS era não apenas por causa da falta de afinidades políticas, mas também por questões jurídicas, já que a chapa poderia ser impugnada por causa da Lei Orgânica dos Partidos. Alguns nomes foram citados pelo serviço secreto, que variavam entre políticos e empresários, se destacando os senadores Paulo Brossard, Marcos Freire, Saturnino Braga e Almino Afonso, além do ex-governador da Bahia Waldir Pires.

Encontros com os militares

O SNI acompanhou também a movimentação de Tancredo para viabilizar sua candidatura junto aos próprios militares no poder. Documentos do Serviço de Informações mostram que, antes de se encontrar com o próprio general presidente João Baptista de Figueiredo, Tancredo procurou políticos civis que serviam ao regime militar. O informe 05630, de junho de 1984, diz que Tancredo pretendia se encontrar com o ex-presidente Ernesto Geisel. Os intermediadores seriam os ex-ministros da Fazenda Francisco Dornelles e Mário Henrique Simonsen. O SNI também levantava a possibilidade de Simonsen estar se aliando ao ex-governador mineiro. “A propósito, Simonsen estaria demonstrando simpatia pela candidatura do chefe do Executivo mineiro à presidência da República”, relata o documento.

Outro relatório fala da tentativa de aproximação entre Tancredo e o ex-ministro da Justiça Jarbas Passarinho. Um emissário do ex-governador mineiro teria enviado um emissário fazer contato com o ex-ministro. No documento, o serviço secreto dá a entender que Passarinho poderia ser uma alternativa caso o senador José Sarney renunciasse ao cargo de vice na chapa de Tancredo Neves. O encontro entre os dois seria em Brasília, para onde o chefe do Executivo mineiro estava viajando. O informe foi produzido em novembro de 1984, dois meses antes da eleição no Colégio Eleitoral. Não há informações se as reuniões aconteceram.

O fim

Era evidente a constatação do SNI de que Tancredo Neves seria eleito presidente. Tanto é que a maior parte dos documentos o tratavam desta forma. Além disso, havia uma preocupação dos arapongas, que era o fim do Serviço Nacional de Informações. A evidência foi o excessivo número de relatórios produzidos sobre o tema. E sempre tendo como base a imprensa. Entretanto, o SNI só seria extinto em 1990. E quem o fez foi seu último chefe, o general Ivan de Souza Mendes (morto em fevereiro de 2010), também um dos responsáveis pelo processo de redemocratização do país. Além de abortar movimentos entre os militares contrários ao processo, ele ajudou a garantir a posse de José Sarney como substituto de Tancredo.

Fonte: Fato Online

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