Deputada diz que tratamento dado no Buriti a distritais, sem equilíbrio, dificulta formação de base de apoio.
Prestes a embarcar para o Estados Unidos, onde participará de um café da manhã com o presidente americano, Barack Obama, a distrital Celina Leão, presidente da Câmara Legislativa, pode estar perto de deixar o PDT. A permanência dela na legenda dependerá de conversa, já agendada, com o senador Cristovam Buarque, seu padrinho na agremiação, que anda descontente com os rumos pedetistas. Na viagem a Washington, bancada com recursos próprios, além do compromisso que reunirá lideranças religiosas de todo o mundo, a parlamentar conhecerá projetos bem sucedidos nas áreas de transparência legislativa, administração penitenciária e turismo cívico. Na entrevista a seguir, a chefe do Legislativo fala sobre a independência da Casa, da relação com o Executivo, da reeleição para a presidência da Câmara, e anuncia a criação de um serviço 0800 para atendimento ao cidadão. Celina prevê dificuldades para o governo aumentar impostos e aponta alternativas para abastecer os cofres públicos. A parlamentar descarta ser candidata a governadora em 2018, — projeta ser candidata a deputada federal —mas considera que participar de uma campanha majoritária é aspiração de todo político.
Os senadores Cristovam Buarque e Reguffe sinalizam sair do PDT. Se eles deixarem o partido, a deputada Celina vai junto?
Existe essa possibilidade de sair, sim. Ainda não conversei com o Cristovam e com o [Carlos] Lupi — presidente nacional do PDT —. Não está nada definido. Fui para o PDT convidada pelo Reguffe, com aval do Cristovam. A saída deles me deixa numa situação muito desconfortável, sem identidade, isolada ideologicamente. Minha vontade é permanecer, mas isso passa pelo Cristovam e pelo Reguffe.
Tem conversado com outros partidos?
Tive um café da manhã com [o deputado federal] Izalci e fui convidada a me filiar ao PSDB. Fiquei muito honrada, mas a tendência é de permanecer ou de seguir o senador Cristovam para onde ele for.
Seu objetivo agora é disputar uma majoritária?
Qualquer político que queira crescer na vida pública sonha em disputar uma majoritária. Seria hipocrisia dizer que não. Mas você precisa ter as condições, voto, trabalhado consolidado, um grupo político para isso. Não tenho pressa. Estou trabalhando, fazendo minha obrigação, fazendo o que é certo. E, quando se faz o que é certo, os resultados sempre aparecem.
Qual sua avaliação do governo Rollemberg. Ele está com foco?
O Rodrigo é um cara muito honesto, correto. Pegou a cidade numa dificuldade financeira muito grande. O foco dele, em 2015, foi a crise. Acho que faltou pensar um pouco no que seria positivo. Mas, talvez, para nós que estamos fora do problema, seja possível ver isso com mais clareza. 2016 está com as contas mais equilibradas, que possa ter foco nas áreas de saúde e de educação. A gente espera que isso melhore neste ano.
Como avalia a base do governo?
Tivemos muita dificuldade na montagem da base e isso se reflete até hoje. Houve um desequilíbrio de tratamento entre os deputados, não se sabia quem era e quem não estava na base. O começo da montagem do governo foi complicado, houve bastante preconceito com a classe política, como se fosse governar sem ela. O tratamento com os deputados da base foi desrespeitoso. Às vezes, não comparecia ninguém do governo em uma audiência. Essas pequenas coisas ferem o Legislativo. A relação foi muito ruim no primeiro semestre de 2015, começou a melhorar no segundo, mas ainda pode evoluir.
Ainda há insatisfação popular com o Legislativo. O que melhorar, em 2016, nesse sentido?
Isso é um processo. Não adianta querer, do dia para a noite, mudar algo já um pouco consolidado no sentimento das pessoas. Isso vai mudar paulatinamente com as ações do próprio Legislativo. E com a independência dos poderes. A população quer confiar em um poder que os represente verdadeiramente. Sem um Poder Legislativo, o governador vira um tirano, não precisaria consultar ninguém. Quaisquer que sejam as críticas, e muitas delas são verdadeiras, ainda é muito importante ter o Poder Legislativo. Precisamos fortalecê-lo com a independência para que a população entenda que pode confiar naquele poder, que ele não é subalterno. É essa a nossa meta: achar o equilíbrio entre uma relação harmônica, responsável, coerente e correta com o governo. Não queremos briga, mas o bem da cidade. Em alguns momentos, vamos falar não para aquilo que não represente a vontade da população. Precisamos melhorar, ter cada vez mais transparência, para dar uma resposta mais rápida ao cidadão e conquistar o seu respeito.
O legislativo entra mais forte em 2016 ?
Com certeza. Sou administradora por formação, mas estou me formando em direito porque acho que dá condição técnica para você cuidar da vida das pessoas. Estamos cheios de metas para esse ano. Vamos abrir o 0800 da Câmara, um canal direto com o cidadão. Hoje, todo mundo tem um mobile para fazer sua denúncia, cobrar. Vamos digitalizar todos os processos da Câmara, eliminar papel. Vamos instituir a Câmara Verde, por meio de convênio, gratuito, com a Câmara dos Deputados. Abrimos a Defensoria e foram atendidas 6 mil pessoas no ano passado, a mais visitada do DF. Instalaremos um centro de reconciliação jurídica, com uma juíza despachando uma vez por semana. Isso ajudará a reduzir o número de processos no Judiciário.
Existe a possibilidade da Lei do Uso e Ocupação do Solo (Luos) e do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Braspila (Ppcub) voltarem à Câmara. Qual sua avaliação sobre essas matérias?
Elas precisam ser votadas, pois proporcionarão segurança jurídica para quem quiser investir aqui. Falei com o secretário [de Gestão do Território e Habitação, Thiago de Andrade] que ele deveria ter mandado os pré-projetos no ano passado para começarmos a analisá-los. É uma lei que não pode ser votada do dia para a noite. Será preciso fazer audiências públicas, discutir. A expectativa é de que o Executivo nos envie os projetos ainda esse ano. Existem regularizações fundiárias e questões jurídicas que dependem da aprovação deles.
Hoje, a postura Casa Civil agrada ao Legislativo?
Não tem nem como comparar. O [secretário-chefe da Casa Civil e Relações Institucionais] Sérgio [Sampaio] é muito capacitado, sabe dialogar e entende de política. Por onde passa deixa amigos, e é respeitado. Ele deu um novo momento ao governo Rollemberg.
Uma reclamação recorrente em plenário é quanto a chegada de projetos importantes para o DF sem tempo hábil para serem discutidas. Como mudar esse comportamento?
Tive uma conversa com o governador exatamente sobre isso. Demos o recado de que não vamos trabalhar em projetos de última hora. Em 2015, demos um desconto pois se tratava do primeiro ano de governo. Esperamos que as coisas melhorem, que as matérias sejam encaminhadas com mais tempo, para fazer um debate com sociedade. Muitos secretários não se planejam, esquecem que o Legislativo terá recesso e deixam questões importantíssimas para a última hora. Tem que se organizar, encaminhar com mais tempo. Se a Câmara não tivesse a boa vontade de aprovar essas matérias poderia causar um grave prejuízo à sociedade. Só que aprovar um projeto que chega correndo, é muito arriscado.
A Câmara barrou os projetos do IPTU e de outros tributos no ano passado, mas, por outro lado, autorizou a recomposição do ICMS, o que causa impacto nas contas do cidadão. Esse ano, há espaço na Câmara para revisão ou aumento de tributos?
Acho que ainda não tem espaço. Devolvo a pergunta. Há espaço no bolso do cidadão para pagar mais? Se um empresário tem uma indústria aqui, e tudo aumenta de uma vez, ele vai produzir em Goiás. Vai buscar outro mercado onde a margem de lucro seja maior que no DF. Seguramos três aumentos de impostos mais pesados para o contribuinte não por má vontade com o Estado. Entendo que o cidadão não tem de onde tirar. Muitos tributos não passam pela Câmara. É importante esclarecer isso. Hoje, as contas de energia e de água não precisam de autorização legislativa para serem reajustadas. A CEB e Caesb podem fazer isso diretamente. O que é uma pena. Deveria passar por nós. Dizem que a CEB e a Caesb estão quebrando, mas a população não pode ser recrutada repentinamente para salvá-las. Sanar a vida financeira delas exige planejamento a médio e a longo prazos.
A questão da regularização fundiária atravessa governos e governos e é tida como uma excelente forma de abastecer os cofres públicos. Qual o grande entrave nesse processo?
A gestão. Deveria melhorar muito essa questão dos condomínios. Seria a maior fonte de arrecadação hoje no Distrito Federal. A avaliação é de que haveria uma contribuição de R$ 4 bilhões, suficientes para pagar o rombo nos cofres públicos. Mas, a burocracia é muito grande. Secretaria de Gestão do Território e Habitação (Segeth) está cuidando de feiras, de quiosques, de planejamento e de condomínios. Quem dá conta de tudo isso? Tem que ter foco, melhorar a divisão de trabalho.
A Secretaria de Condomínios deveria ser ressuscitada?
Não digo a Secretaria de Condomínios, mas deveria haver uma estrutura na Segeth somente para cuidar da regularização fundiária. Alguém tem que correr com isso, organizar. E eu não percebo isso.
A demora na expedição de alvarás também prejudica a geração de renda e de empregos. A Segeth precisa reforçar seu quadro de pessoal ou basta trabalhar de forma mais organizada?
Acho que os dois. Ela precisa de um reforço, sim, principalmente na área de aprovação de projetos. Uma lei de minha autoria tira a obrigatoriedade de aprovação de todos os projetos do Executivo da Segeth e passa para a Secretaria de Obras. Às vezes, perde-se o prazo da licitação, ou os recursos simplesmente porque o projeto está numa fila com 3 ou 4 mil na frente. Isso não existe. A Segeth ficaria por conta de cuidar de outros problemas, da questão do alvarás.
A senhora teve muita habilidade para costurar o acordo que resultou na aprovação da reeleição para presidência da Câmara. Quanto mais será exigido para aprovar em segundo turno também?
Esse é um projeto coletivo, não da deputada Celina. O projeto da reeleição foi construído com parlamentares que discutem a independência do Poder Legislativo. Fui deputada de oposição e sei respeitar o espaço e dar visibilidade a ela. Com isso, acho que consegui o respeito do colegas. Pode ser que eu aprove a emenda em segundo turno e não seja a candidata.
Dois deputados declaradamente de oposição, Wellington Luiz (PMDB) e Bispo Renato (PR), apoiaram a emenda. Isso mostra unidade do grupo que defende o fortalecimento do Legislativo?
Nessa construção, os deputados que votaram comigo perceberam que eu não era subordinada, não era funcionária do governador. Eu era chefe do Poder Legislativo e isso faz uma grande diferença.
Com uma eventual reeleição, a Celina Leão se tornaria um nome forte para disputar o Buriti?
Eu não tenho essa visão como as pessoas têm colocado. Isso é muito da intriga feita nos bastidores. Meu projeto é ser candidata a deputada federal. Acho que falam isso para criar um clima de ciúme, de instabilidade, entre eu e o governador. Poxa, sou candidata a deputada federal, mas sou cotada para governadora. Está ótimo. Estou caindo caindo pra cima
O que vai ser tratado nessa viagem aos Estados Unidos?
É um café da manhã ecumênico com participação de líderes religiosos do mundo todo. Além disso, há três meses, recebemos a embaixadora dos Estados Unidos propondo intercâmbio com aquele país. Vou aproveitar a oportunidade de ir lá, arcando com os custos com passagens e hospedagem, e fazer umas visitas técnicas em programação oficial promovida pela embaixada americana no Brasil. Vamos nos inteirar sobre os softwares em uso na Assembleia Legislativa, ferramentas de transparência e de integração com os cidadãos, sobre presídios e turismo cívico.
Qual o nível de transparência na Câmara?
Todos os gastos dos deputados estão disponíveis no site da Câmara. Estamos licitando um serviço 0800, com custo inferior a R$ 1 mil por mês, para que o cidadão tenha mais contato conosco. Eles têm softwares não só para gestão de transparência, mas também para o contato com a comunidade, aspecto em que ainda pecamos.
Por que visitar presídios?
Eles fizeram um programa onde todos os presos trabalham. Fazem parcerias com empresas que pagam mão de obra para produzir algo dentro do presídio. É uma questão de ressocialização. O presídio da Califórnia, por exemplo, rende R$ 28 milhões
O turismo cívico incentiva a formação de cidadãos melhores?
Claro. Conheceremos um programa de turismo cívico e juventude que faz com que Washington seja a capital mais visitada pelos jovens americanos. O americano tem essa ligação muito forte com o país. Acredito que Brasília tem toda condição de buscar esse turismo cívico. Vivemos uma crise muita séria e isso distancia a população da classe política, da vontade de querer defender o Brasil. Precisamos, sim, ter mais patriotismo.