Com menos prestação de serviço, repasse para UPAs será cortado pela metade

A falta de mão de obra puxou para baixo o número de pacientes recebidos pelas unidades de pronto atendimento (UPAs) da capital federal. Entre 2015 e o ano passado, a quantidade de tratamentos recuou 29,4%. Passou de 416.321 para 293.872 — a tendência de declínio continua em 2017. O cenário obrigou a Secretaria de Saúde a redimensionar a capacidade de atendimento. A medida trouxe um duro golpe aos cofres da pasta. Com menos prestação de serviço, o Executivo local receberá menos dinheiro do Ministério da Saúde. Se, antes, o Palácio do Buriti embolsava R$ 1 milhão por mês para a manutenção de quatro UPAs — outras duas estão com processo suspenso —, agora, o recurso cairá para pela metade: R$ 475 mil. Em um ano, as perdas chegam a R$ 6 milhões.

Dois contextos traçaram esse quadro. O primeiro está ligado à reestruturação da Atenção Básica no DF. O outro, à modificação das diretrizes de financiamento das UPAS praticadas pelo Ministério da Saúde. Cada UPA deve funcionar com nove médicos. O governo local entendeu que, capacitando os profissionais, era possível multiplicar rapidamente a quantidade de equipes do Saúde da Família — aposta do secretário de Saúde, Humberto Fonseca, para a reformulação do setor. Dessa forma, a pasta remanejou os médicos. A troca ocorreu em julho, seis meses após o Ministério da Saúde divulgar os novos índices de custeio.
Apesar da queda substancial nas receitas e da transição do modelo de assistência, a Secretaria de Saúde garante que não haverá danos ao atendimento. Atualmente, apenas quatro médicos recebem os pacientes, dois durante o dia e dois no plantão noturno. A diretora de Urgência e Emergência, Geize Rezende, se ancora em dois argumentos para defender essa tese  (leia Três perguntas para). Em três meses, as UPAs serão avaliadas por uma comissão técnica do Ministério da Saúde para medir a quantidade e a qualidade dos atendimentos.
Apesar dos esforços, quem recorre aos atendimentos de urgência das UPAs reclama da qualidade do serviço. Além disso, poucos percebem melhorias no Saúde da Família. Na última segunda-feira, a aposentada Rita Maria da Conceição, 77 anos, passou cinco horas até receber a classificação amarela na UPA de Ceilândia. Voltou para casa, no Sol Nascente, sem encontrar-se com o médico e com a alergia alastrada pelo corpo. “A orientação que dão é procurar a Unidade Básica de Saúde próxima de casa, mas lá nada funciona. Nunca consegui marcar um exame ou consulta”, reclama.
Naquela tarde, mais de 100 pessoas aguardavam atendimento. Uma delas, a dona de casa Adriana Silva, 40. “Estão conduzindo os pacientes para serem atendidos pelos médicos da família, mas conheço o Saúde da Família só de nome. Não conheço uma pessoa que teve seu caso resolvido nesse sistema. O que o governo tem que priorizar é o atendimento, independentemente da forma”, pondera a também moradora do Sol Nascente. Com dores pelo corpo, ela voltou para casa sem atendimento pela quinta vez.


Custeio

Quatro das seis UPAs foram construídas com recursos do Ministério da Saúde. As outras, o próprio Executivo local custeou. As obras do governo federal custaram R$ 10,4 milhões. Atualmente, quatro unidades recebem custeio do Ministério da Saúde: Núcleo Bandeirante, Recanto das Emas, Samambaia e São Sebastião. Ainda não foi solicitado pela gestão local o custeio de Sobradinho. Já a UPA de Ceilândia está com os recursos suspensos desde agosto de 2016 — o local chegou a receber R$ 500 mil mensais. O prazo para comunicar a diminuição no número de profissionais lotados em cada UPA vai até novembro, quando os novos valores de custeio serão praticados pelo governo federal. “Em caso de descumprimento do prazo, o custeio das unidades habilitadas poderá ser suspenso”, frisa o Ministério da Saúde, em nota.
Mudança

O Ministério da Saúde redefiniu, em janeiro deste ano, com a Portaria nº 10, as diretrizes de modelo assistencial de UPA 24h. Com isso, os gestores poderão definir e escolher a capacidade de atendimento das unidades com base em oito opções de funcionamento e capacidade operacional, vinculando os repasses de custeio mensais à quantidade de profissionais em atendimento, e não mais por tipologia de porte.

Três perguntas para

Geize Rezende, diretora de Urgência e Emergência da Secretaria de Saúde

Por que a Secretaria de Saúde priorizou Saúde da Família em vez das UPAs?
Não conseguimos manter profissionais nas UPAs. Estávamos com a atenção primária enfraquecida. Percebemos que, se pegássemos um ginecologista, um clínico e um pediatra e capacitássemos como médico da família, a quantidade de gente atendida seria maior. Estamos fortalecendo a prevenção e a promoção da saúde. Isso significa que os pacientes terão menos agravos. Hoje, 50% dos atendimentos do Saúde da Família são de demanda espontânea, ou seja, uma pessoa com dor de garganta não precisa esperar para se consultar

Mas os pacientes continuam reclamando dos problemas de sempre…

A gente está construindo uma política pública diferente e isso necessita de tempo. A longo prazo, as UPAs serão reestruturadas e adequadas à demanda. Esses espaços vão funcionar como um elo entre as equipes do Saúde da Família e os hospitais. Estamos trabalhando muito, mas não conseguimos fazer isso a curto prazo.

Para atenuar os problemas, o que por ser feito rapidamente? A queda nos epasses do Ministério da Saúde não vai degringolar ainda mais a situação?

Para minimizar os problemas, estamos chamando servidores para ocupar as vacâncias. A situação já melhorou bastante. Fizemos o pregão (da licitação) para a manutenção dos equipamentos, por exemplo.

Palavra de especialista

Ação abrangente necessária

A estratégia adotada pela Secretaria de Saúde já foi implantada em outras unidades da Federação. Em Curitiba, por exemplo, o governo paranaense tirou médicos das UPAs após ter consolidado a atenção básica. Brasília ainda não tem pré-requisitos suficientes para essa medida. Ainda temos que avançar em formação, estrutura e condições de trabalho. Os esforços devem ser ampliados. Fortalecer a atenção primária é uma coisa boa, mas todo o cenário não está sendo inteiramente contemplado. Temos que atacar de todos os lados. Precisamos de tudo crescendo junto. As ações têm que ocorrer beneficiando o sistema de saúde. Uma ação focada não resolve os problemas. Contudo, vivemos um momento de poucas receitas financeiras e o cobertor está curto demais. 
Tiago Souza Neiva é especialista em medicina de família e em gestão de saúde
Fonte: Correio Braziliense
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