A 29ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP29) será a “COP das finanças”. Essa avaliação resume o que alguns especialistas disseram, nesta terça-feira (15), durante audiência pública da Comissão Mista Permanente Sobre Mudanças Climáticas (CMMC). O encontro serviu como preparação para a conferência que vai ocorrer entre os dias 11 e 22 de novembro de 2024, em Baku, capital do Azerbaijão.
A COP é uma oportunidade para chefes de Estado e representantes de países do mundo inteiro debaterem as mudanças climáticas e as práticas globais para conter seus avanços e seus danos. A audiência foi proposta em requerimento (REQ 3/2024) do deputado Nilto Tatto (PT-SP), que conduziu o debate.
A secretária de Mudança Climática do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, falou sobre a pré-COP, evento com discussões preparatórias para a COP 29, que buscou facilitar as negociações de novembro. Essa etapa preparatória, da qual ela participou há uma semana, fornece indicativos sobre como serão as discussões na conferência principal. Os avanços da pré-COP, que se encerrou na sexta-feira (11), foram limitados, especialmente no que diz respeito à “Nova Meta Quantificada Coletiva” (NCQG, na sigla em inglês).
A nova meta de financiamento para a ação climática nos países em desenvolvimento é um dos principais itens da agenda da COP29, e deve substituir o valor atual de US$ 100 bilhões anuais. As principais questões são o valor para esse financiamento, o tempo para alcançar a nova meta e principalmente quais países devem contribuir com os recursos. De acordo com Ana Toni, a posição defendida pelo Brasil tem por base o que está previsto no Acordo de Paris, adotado durante a COP 21, em 2015. Artigos do acordo preveem que o dinheiro virá dos países desenvolvidos.
— O artigo nono do Acordo de Paris já dá um pouco o caminho das pedras da posição do governo brasileiro. Esse artigo fala que é dinheiro dos países desenvolvidos para os países em desenvolvimento, e que pode ter apoios voluntários de outros países — ou seja, na relação Sul-Sul, mas é voluntário, não é obrigatório — e que pode haver outros mecanismos de financiamento — disse a secretária.
A diretora do Departamento do Clima do Ministério das Relações Exteriores, Liliam Moura, que também esteve na pré-COP, explicou que a COP ocorre no momento em que os países estão trabalhando internamente as suas próximas políticas climáticas. Além disso, o cenário de conflitos internacionais pode influenciar nas negociações.
Assim como a secretária do Ministério do Meio Ambiente, a representante do Itamaraty diz acreditar que a determinação do novo montante de financiamento climático será o centro das negociações. A diplomata chamou a COP 29 de “COP das finanças”. Na visão dela, é importante reconhecer que os países desenvolvidos não colocaram no sistema do clima US$100 bilhões por ano, no período de 2020 a 2025. A meta, portanto, não foi atingida em sua plenitude porque em 2020 e 2021 o valor ficou muito abaixo do esperado. A meta só foi cumprida pela primeira vez em 2022.
— De uma base de não cumprimento, nós chegamos ao momento de negociar o novo montante, as novas condições de acesso aos financiamentos, a facilitação de conseguir usar os recursos disponíveis nos fundos. Então vai ser uma negociação bem difícil, que nós estamos nos preparando para enfrentar.
A representante do Grupo Carta de Belém — articulação de movimentos e organizações que discutem as crises ambiental e climática —, Camila Moreno, afirmou que a conjuntura crítica de transformação das estruturas econômicas e sociais se reflete nas COPs. Para ela, é impossível pensar nas conferências sem entender que a descarbonização é indissociável da transformação digital, que tem redefinindo todas as áreas da vida e da economia, assim como do aprofundamento do aspecto financeiro desse processo.
Participação do Congresso
A participação dos parlamentares brasileiros no evento foi tema da fala de Sarah Darcie, coordenadora de Advocacy (estratégia para a opinião pública) do Instituto Clima de Eleição. Para ela, é preciso capacitar os parlamentares para que eles possam participar do evento e trazer para o Congresso o entendimento de que o cumprimento das metas estabelecidas nesse tipo de conferência não depende somente do Poder Executivo.
— Existe uma responsabilidade compartilhada entre os três Poderes de conseguir avançar nessas pautas. Nesse sentido é muito contraprodutivo a gente ter, por exemplo, o Executivo trazendo diversas medidas para adaptação e mitigação, enquanto a gente tem um Congresso Nacional avançando em pautas antiambientais, como a gente vê no caso do “pacote da destruição” que é um conjunto de vários projetos prejudiciais para os direitos socioambientais.
A especialista em Política Climática do Observatório do Clima, Stela Herschmann, lembrou que, apesar de a discussão sobre as mudanças climáticas nas COPs ser global, o cumprimento das metas depende de cada país, e os efeitos também são sentidos de maneira local. Por isso, afirmou, é preciso entender que o Legislativo brasileiro é parte do processo de enfrentamento da crise climática e deve se inserir integralmente nessa mudança.
— O enfrentamento da crise climática também passa pelo Legislativo, que deve frear qualquer tentativa de ataque à legislação ambiental e climática, qualquer “jabuti” [tema estranho ao conteúdo de uma proposição] que contrate a emissão futura de gás de efeito estufa. Também é preciso aprovar os marcos regulatórios dos quais precisamos para conseguir atingir as nossas metas. (…) O custo de mitigação vai ser muito menor do que o custo de adaptação de perdas e danos — alertou.
O diretor da Associação Brasileira de Energia Eólica, Marcello Cabral, destacou a necessidade de energia renovável, barata e de baixo impacto ambiental para atender à demanda crescente por energia. Para ele, o Congresso precisa aprovar um marco legal para permitir que investidores possam ter segurança para investir na energia eólica offshore, obtida da força do vento em alto-mar.
A secretária Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena do Ministério dos Povos Indígenas, Ceiça Pitaguary, também cobrou do Congresso o compromisso com o enfrentamento das mudanças climáticas. Ela citou projetos como o PL 4.347/2021, que trata da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (Pngati); o PL 3.025/2023, que trata da rastreabilidade do ouro; e o PL 1.594/2024, que institui a Política Nacional dos Deslocados Ambientais e Climáticos. Todos estão em análise na Câmara dos Deputados.
Para ela, a participação indígena na discussão é fundamental. Os povos indígenas, de acordo com a secretária, são responsáveis pela proteção de mais de 80% da biodiversidade do planeta e recebem menos de 1% do financiamento ambiental mundial. Conforme Ceiça, as COPs precisam reconhecer a relevância fundamental dos povos indígenas nesses debates globais e acolher melhor as vozes indígenas.
Abordagem inclusiva
Durante a audiência, representantes de organizações e movimentos sociais também falaram sobre a necessidade de uma abordagem inclusiva na questão das mudanças climáticas. Letícia Leobet, representante do Geledés – Instituto da Mulher Negra, afirmou que a construção de soluções para a crise ambiental global precisa ser feita de forma inclusiva e antirracista.
— Temos reforçado, cada vez mais, a nossa interlocução com o governo brasileiro por meio de envio de recomendações para os processos de negociação com o intuito de garantir que esses processos se tornem cada vez mais inclusivos e que, de fato, alcancem todas as pessoas, principalmente aquelas historicamente marginalizadas e que, consequentemente, têm sido as principais impactadas pelas crises climáticas.
Assim como ela, Thuane Nascimento, representante da Coalização Negra por Direitos, cobrou do governo e do Congresso que as discussões sobre o clima levem em conta uma abordagem antirracista e com viés de gênero.
Jarê Aikyry, representante do Engajamundo, falou sobre a necessidade de democratizar a COP e popularizar o que está sendo discutido, levar esses diálogos até as pessoas que são diretamente afetadas. Para ele, o papel dos parlamentares é fundamental para que a sociedade seja incluída nesse diálogo.
Nesse sentido, Marcele Oliveira, representante da Coalizão Clima de Mudança, falou sobre iniciativas como o Resenha Climática, que busca conscientizar a população de forma descontraída. A iniciativa leva a discussão sobre as questões climáticas para jovens de comunidades e das periferias, para que eles possam pensar e apontar ações ambientais.
— Um artista do qual a juventude gosta muito, Emicida, diz que viver é partir, voltar e repartir. É essa última parte que está faltando, a parte que a gente reparte o conhecimento, reparte os espaços de poder, reparte formas de pensar sobre a crise climática, porque a cara e a cor do Brasil não estão dadas, elas estão em disputa. E essa cara e a cor do Brasil são a cara da COP 30 e a cara das COPs que virão depois — defendeu.
A COP 30 será feita no Brasil, em Belém (PA), em 2025. Mariana Guimarães, representante do Comitê COP30, grupo que apoia a participação da Amazônia nas decisões sobre mudanças climáticas globais, disse que é preciso refletir as especificidades da região nas negociações e acordos bilaterais.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)