Donos do aeroporto: sindicato cobra taxa para que taxistas permaneçam no local e usufruam de estacionamento com estrutura.
Série de reportagens mostra o poder que os profissionais acumularam ao longo de 40 anos, a ponto de ter representantes até no Tribunal de Contas. Auditoria revela 26 servidores permissionários e 88 motoristas com pendências judiciais
Carros de menos, desconfortáveis, sem manutenção. Ilegalidades, como aluguel, transferência e venda de permissões. Maus-tratos e até crimes contra passageiros. Mesmo com tais práticas e queixas constantes dos usuários, os taxistas de Brasília alimentam um poder capaz até de evitar a concorrência. Sem ter enfrentado licitação para a placa vermelha, os mesmos 3,4 mil táxis rodam há 41 anos. A população cresceu cinco vezes no período — de 530 mil para 2,8 milhões. Havia um táxi para cada grupo de 155 moradores em 1974. Hoje, é um para 823. Leis e decretos aumentam os benefícios da categoria. Em troca, ela vota fechada, mantendo representantes no Executivo, no Legislativo e no Tribunal de Contas local.
Com medo,usuários de aplicativos param em locais mais distantes
Agora, os taxistas pressionam o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) a sancionar projeto aprovado na Câmara Legislativa que proíbe serviços de transporte individual de passageiros por meio de aplicativos. Termina hoje o prazo para uma decisão do Executivo. Os taxistas acusam os motoristas desses aplicativos, em especial do Uber, de fazer um serviço clandestino, e ameaçam quem trabalha nele. Na segunda-feira, um grupo cercou um carro do Uber e obrigou os dois passageiros a tomar um táxi.
Auditoria da Secretaria de Mobilidade, a qual o Correio teve acesso com exclusividade, revela a existência de ao menos 26 servidores públicos donos de permissão. Os técnicos detectaram 88 que não entregaram certidão criminal ou têm antecedente. Desses, 27 estão em dívida com a Justiça; seis respondem a ação criminal; dois a penal; e um está condenado. Outros 47 nem entregaram o nada consta. A pesquisa foi realizada por meio de amostragem, com os documentos de 554 permissões e 908 motoristas cadastrados — cada táxi pode ser dirigido pelo permissionário e por dois profissionais contratados, por isso, há 5,8 mil deles no DF.
Técnicos da Secretaria de Mobilidade conferiram 13.432 itens (exigências legais para operar táxi) dessas 554 permissões. Elas apresentavam alguma irregularidade em 91,5% dos casos — como débitos com o GDF, vistorias de carros e cursos para taxistas vencidos. Das 554, 18 não tinham qualquer documento nos arquivos da secretaria, evidenciando a falta de controle. Concluído no fim de junho, o relatório serve aos planos da pasta. Ela promete 1,1 mil novas permissões, sendo 700 ainda este mês. É o terceiro anúncio de abertura de concorrência nos últimos seis anos. Até agora, nenhum vingou. (Veja Memória)
As irregularidades não chegam a ser uma surpresa. No recadastramento feito em 2009, profissionais da então Secretaria de Transporte identificaram até donos de permissões de táxi morando nos Estados Unidos, que alugavam a licença (o que é proibido). Fiscais descobriram que, por meio de procuração, uma pessoa administrava várias placas — vendidas a R$ 40 mil cada uma. O tão propagado pente-fino, feito com o intuito de moralizar o setor e distribuir 500 licitações, em quase nada resultou. A concorrência pública nem sequer foi aberta e o comércio ilegal de placas continuou, superando os R$ 60 mil e sendo oferecido na internet.
Aeroporto dominado
O Sindicato dos Permissionários de Táxis e Motoristas Auxiliares (Sinpertaxi) dita as regras do sistema desde a sua criação, em 1963. Manda, inclusive, no transporte do aeroporto. Para pegar passageiro no terminal, desde 1988, o taxista paga taxa em um estacionamento próximo, onde o sindicato ocupa área pública gratuitamente. São R$ 2,50 para não associados e R$ 1,25 aos sindicalizados, por viagem. Partindo do aeroporto, os taxistas fazem 2 mil corridas por dia, em média. O Sinpetaxi cobra também uma mensalidade de R$ 23,60 dos filiados e por serviços como lava a jato e consulta médica.
O sindicato possui um patrimônio físico estimado em R$ 30 milhões. São dois postos de combustíveis, uma loja, três carros e dois caminhões-guincho. A entidade conta com mais de 100 funcionários contratados. Riqueza administrada com mão de ferro pela presidente da entidade, Maria do Bonfim Pereira de Santana, a Mariazinha — que não atendeu às várias ligações da reportagem.
A arrecadação não resulta em melhorias no serviço. Tanto que o Uber apresenta crescimento na capital. Os taxistas candangos falam em 20% a 30% na perda de passageiros para o concorrente. Quem experimenta o serviço dos aplicativos só tem elogios, como o produtor Leandro Miranda de Almeida, 35 anos. “Eu conheci o Uber há um ano. A facilidade do pagamento, a qualidade dos carros e o atendimento deles são o que há de melhor”, ressalta.
Memória – Promessas de licitações
Criada no governo Rollemberg, a Secretaria de Mobilidade anunciou, em 15 de julho, a seleção de 1,1 mil novas permissões de táxi do DF, 700 de imediato. Mas a tal concorrência pública já havia sido anunciada por outros governos. O mais recente, o de Agnelo Queiroz (PT), disse preparar para o início do segundo semestre de 2012 a abertura de 646 autorizações. Os interessados pagariam cerca de R$ 5,6 mil, com validade de 25 anos. Os carros seriam equipados com um taxímetro especial, ativado por biometria, o que permitiria ao Estado a fiscalização mais rigorosa. A licitação nem sequer se transformou em edital, mas o governador não reeleito assinou decretos em favor da categoria. Um deles regulamentou a transferência das autorizações. Em caso de morte do outorgado, a prestação do serviço de táxi poderia ser transferida a sucessores. Outro decreto aumentou a tarifa. Antecessor de Agnelo, José Roberto Arruda (DEM), por meio da Secretaria de Transportes, divulgou, em agosto de 2009, um levantamento que apontava a necessidade do aumento de 480 táxis na capital. O então secretário de Transportes, Alberto Fraga, afirmou que abriria licitação “em breve”, mas não estabeleceu prazos para o início da concorrência pública.
Força política “inexplicável”
Secretário de Transportes do DF entre 2009 e 2011, na gestão de José Roberto Arruda, o deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF) não conseguiu licitar permissões nem criar a tarifa pré-paga de táxi no aeroporto. “O grupo que comanda o sindicato tem uma força política inexplicável. Eu tirei 5 mil vans piratas das ruas e não enfrentei tanta resistência como na categoria dos taxistas”, compara. Fraga fez o recadastramento dos profissionais e criou o ônibus executivo no aeroporto, mas alerta: “Quem tentar disciplinar essa atividade vai encontrar muita resistência porque tem muita gente do governo envolvida.”
O secretário de Mobilidade, Carlos Tomé, percebeu o tamanho do problema. “Existia uma desorganização histórica. Fizemos a auditoria, que trouxe resultados muito mais preocupantes do que imaginávamos”, diz. Ele pretende montar um recadastramento para impedir que funcionários públicos tenham permissão e diminuir a dependência dos motoristas ao pagamento do aluguel de licença. Um motorista auxiliar despende entre R$ 100 e R$ 150 por dia. “A renda vai para o dono da autorização. Não podemos permitir que o táxi se transforme em um negócio de administração de permissões”, afirma Tomé.
Um dos aliados políticos dos taxistas é o conselheiro Manoel Paulo de Andrade Neto, do Tribunal de Contas do DF (TCDF). Antes de assumir o cargo vitalício, em 2000, ele liderou a categoria. Manoelzinho, como é mais conhecido, presidiu o sindicato dos taxistas, foi vice-presidente da Federação Nacional dos Condutores Autônomos de Bens, diretor da Confederação dos Transportes e diretor do Sest/Senat. Eleito deputado distrital, tornou-se secretário de Administração do governo de Joaquim Roriz, que o indicou ao TCDF. Manoelzinho alegou, por meio de assessoria, que não dá entrevistas sobre táxis.
Confusão
Ontem, um motorista cadastrado no Uber foi encaminhado à delegacia após tentar embarcar um passageiro no Aeroporto Internacional de Brasília. Um taxista fez a denúncia e chamou a Polícia Militar. O policial verificou que os documentos de Albert Biato, 34 anos, eram legítimos. O taxista entrou em contato com funcionários da Secretaria de Mobilidade, que foram até o local e encaminharam o motorista à 1ª DP (Asa Sul). Lá, foi aberto um boletim de ocorrência contra Biato por exercício ilegal da profissão. O carro não foi retido nem ele foi autuado. “Não sou ilegal, a lei só será votada amanhã (hoje)”, argumentou o motorista do aplicativo. O Uber afirmou que é contra esse tipo de autuação. A reportagem entrou em contato com a Semob, mas até o fechamento da edição não havia recebido respostas.
Fonte: Blog do Chiquinho Dornas