Envolvidos no projeto distrital estão otimistas, mas especialistas não acreditam em mudanças.
O sistema de ensino no Distrito Federal mudará. O Plano Distrital de Educação (PDE), aprovado nesta semana na Câmara Legislativa, deve nortear os próximos dez anos da educação da capital do País com metas a serem alcançadas por meio de estratégias definidas. Entre as novas determinações estão o limite de 30 alunos nas salas de aula do Ensino Médio, sistemas de semestralidade, ampliação do ensino integral, universalidade da educação básica e constituição da Universidade Distrital.
A intenção é que, até 2024, os investimentos no setor quase dobrem, passando dos R$ 8,2 bilhões previstos para este ano para R$ 13 bilhões. Especialistas, no entanto, acreditam que metas não serão alcançadas.
“quase impossível”
Para os maiores interessados, mudanças devem ocorrer para melhorar a qualidade do ensino, mas estudantes questionam algumas estratégias elencadas para atingir as metas propostas. No Centro de Ensino Médio Elefante Branco (CEMEB), na Asa Sul, por exemplo, alunos dizem ser quase impossível garantir o número máximo determinado pelo PDE.
Turmas cheias
No terceiro ano do Ensino Médio e prestes a fazer o vestibular para a área de saúde, Lorena Vieira, 17 anos, conta que há 48 alunos matriculados em sua turma. Contando apenas os assíduos, o número baixa, mas não o suficiente: “Vão à aula mesmo, uns 38”.
Seu colega do primeiro ano, Miqueias Galvão, 17, considera que a possibilidade de estudar em turmas menores pode contribuir para a aprendizagem. “O desempenho pode ser melhor porque as pessoas prestam mais atenção, mas tem que fazer mais escolas para isso ser possível. Aqui já tem uma longa fila de espera. Se diminuir o limite, onde vão colocar todo mundo?”, questiona.
Ponto de vista
Do ponto de vista da gestão pública, a perspectiva também não é favorável. Especialista no tema, José Mathias-Pereira diz que encara o PDE como “mais um plano ilusório”. Ele lembra que os governantes nunca tiveram a educação como prioridade e, apesar de haver pessoas bem intencionadas por trás do texto, “o cemitério está cheio de gente que ficou esperando que os planos se efetivassem”. “No contexto em que vivemos, com economia em recessão e um governo com nível de descredibilidade muito elevada, falar em educação de qualidade é quase como uma utopia”, acredita.
Construção de escolas
Para Afonso Galvão, especialista em Educação, mais que construir escolas para garantir que todos tenham acesso ao ensino, “se quiserem implementar o regime integral, é preciso ao menos dobrar o número de instituições”. Para ele, há um conjunto de mudanças a serem revistas no Ensino Médio, como o número de disciplinas.
Júlio Barros, diretor do Sindicato dos Professores (Sinpro), explica que há um parecer do Conselho Nacional de Educação que estabeleceu o número relacionado à qualidade do ensino. “Para cada modalidade de ensino, há um número máximo desejado para turma, mas compete ao governo colocar isso em prática. Para garantir um ensino de qualidade, não há como ter uma sala com 50, 55 pessoas. A responsabilidade de contratação de mais profissionais ou construção de unidades é do governo”, ressalta.
Semestralidade
Como mudança proposta pelo PDE, está o polêmico registro de semestralidade. Samuel Lima, 18 anos, já teve a experiência em uma escola particular e não gostou nem recomenda. “Ainda temos quatro bimestres para correr atrás do prejuízo se vacilar. Com a semestralidade, se vacilou no início e não conseguiu a nota, na metade do ano já sabe que vai para a recuperação final”, explicou. “Talvez isso seja um estímulo para os alunos”, ponderou Bianca Oliveira, 16, porque, segundo ela, “quem faz a escola é o aluno”.
Documento pressupõe 21 metas
Ao todo, o Plano Distrital de Educação (PDE) apresenta 21 metas, que vão desde a melhoria da carreira do professor, o aumento das vagas na pré-escola e até quanto dinheiro o documento prevê que as unidades de ensino precisam para funcionar. Até o fim do plano, em 2024, o percentual de investimento em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) do Distrito Federal deve ser quase dobrado.
Luis Claudio Megiorin, presidente da Associação de Pais e Alunos das Escolas do DF (Aspa), destaca que “é a primeira vez que a sociedade se organizou para discutir um plano para a educação” e esclarece: “Todas as metas e estratégias têm a finalidade de impulsionar as políticas públicas de uma forma mais participativa da comunidade escolar”.
Vigilância
De acordo com o presidente da Aspa, o Fórum Distrital da Educação (FDE), do qual faz parte, fará um monitoramento do plano, que também prevê que ajustes possam ser feitos no decorrer dos anos, além de permitir conferências que debatam o funcionamento “para que tenhamos uma efetiva aplicação dos recursos públicos voltados para a educação”.
Para Megiorin, “é um absurdo ter 50 alunos por turma numa sala de Ensino Médio porque interfere na qualidade de ensino”. No mínimo, diz, é preciso dobrar o número de escolas, mas, enquanto isso, deve-se usar a criatividade para otimizar espaços.
Sinpro crê no alcance das metas
O diretor do Sinpro, Júlio Barros, é representante do sindicato no plano e colaborou na produção do documento. Ele considera a aprovação “uma vitória da educação e de seus profissionais” e crê que as metas são “totalmente capazes de serem alcançadas porque são apontadas saídas para isso”.
Ele promete que serão acompanhadas de perto todas as leis orçamentárias para que os objetivos sejam incluídos e garante: “Vamos fazer uma vigilância forte para o PDE não se transformar numa carta de intenções”. Além disso, apontou como negativo o resumo do debate a questões de gênero que, para ele, deturpou o sentido da questão.
Sem comentários
Procurada, a Secretaria de Educação afirmou, por meio de assessoria de comunicação, que não haverá comentários sobre os desdobramentos do PDE. Por conta das emendas feitas, “o governo ainda vai estudar o que foi aprovado pela Câmara Legislativa para avaliar as possibilidades de execução”.
“Considerando a forma que as escolas estão e a falta de políticas capazes de dar conta das metas, acredito que elas não serão alcançadas”, afirma, categórico, Afonso Galvão. Especialista em Educação, ele critica que não há, no plano, uma forma detalhada de como alcançar as metas, apesar de considerar algumas louváveis. “Fazer metas qualquer um faz, mas, se não estiver ancorada numa política de estado séria e competente, torna-se um discurso vazio que beira a demagogia. A questão toda é como isso será possível”, observa.
Saiba mais
Como consta no plano, o ponto crucial da frequência escolar concentra-se na creche. O percentual de atendimento na Educação Infantil é praticamente o mesmo do nacional, o que merecerá esforço redobrado do GDF para mapear a demanda e construir novos prédios próximos às residências das crianças. Sobre a oferta, há insignificante presença do Poder Público, tanto em quantidade como em qualidade.