Redes sociais e TV: qual o peso de cada meio nas eleições de 2018

social_mediaDesde a primeira disputa presidencial com voto direto pós-ditadura militar, em 1989, os candidatos que buscam o Palácio do Planalto adotam uma estratégia muito similar para tentar se eleger.

No momento pré-campanha, concorrem, entre si, pelo apoio de partidos com grande número de deputados a fim de conseguir o máximo de tempo possível de propaganda de rádio e TV, por meio dos quais vão se apresentar ao público durante o período eleitoral.

A tradicional estratégia, porém, começa a dividir espaço com a atuação dos candidatos nas redes sociais. Atuação essa que não ocorre só durante o período de campanha, mas começa muito antes.

As redes sociais são centrais, por exemplo, para o deputado Jair Bolsonaro. Filiado a um partido pequeno, o PSL, com poucos recursos e diante da baixa possibilidade de conseguir apoio de partidos maiores, Bolsonaro investe há tempos na internet. Ele é o presidenciável com mais seguidores no Facebook, com 5,2 milhões de curtidas. Em março de 2018, o pré-candidato alcançou a marca de 1 milhão de seguidores no Twitter.

Mas qual será, de fato, o poder das redes sociais na eleição de 2018? Plataformas como Facebook, Twitter e Whatsapp serão mais importantes do que as propagandas de TV e rádio?

O Nexo elencou os principais fatores que colocaram as redes sociais no centro do debate político de 2018 e conversou com dois especialistas sobre o impacto que elas devem ter na eleição.

Posts patrocinados em tempos de pouco dinheiro

O Supremo Tribunal Federal proibiu a doação de empresas a campanhas eleitorais em 2015. E a eleição deste ano será a primeira nacional a ser financiada apenas com recursos públicos e doações de pessoas físicas.

Durante a tramitação de projetos da reforma eleitoral, em 2017, o Congresso aprovou a criação de um fundo eleitoral, que irá distribuir aproximadamente R$ 1,7 bilhão aos partidos. Ainda assim, os candidatos terão muito menos recursos para gastar na campanha de 2018 do que tiveram em eleições anteriores.

O Congresso aprovou, ainda, a possibilidade de que candidatos patrocinem postagens em redes sociais – medida adotada também na reforma eleitoral de 2017. Com isso, conteúdos publicados por políticos ou partidos em anos eleitorais poderão alcançar um número maior de eleitores, inclusive de usuários que não curtem ou seguem os candidatos nas redes sociais. Posts patrocinados poderão ser usados, assim, para que candidatos cheguem a grupos específicos do eleitorado.

O acesso à internet no Brasil

O papel das redes sociais na eleição se mostra ainda mais relevante quando observadas as taxas de acesso à internet no Brasil e o crescimento do número de usuários de Facebook, Whatsapp e Twitter nos últimos anos.

Uma pesquisa realizada pela Ipsos e Fecomércio-RJ (Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro) em 2016 estimou que 70% dos brasileiros tinham acesso à internet. Desse total, 69% afirmou que usava o celular como principal forma de navegar. Além disso, mais de 90% dos entrevistados declarou, na pesquisa, que acessar as redes sociais é seu principal intuito quando entram na internet.

O número absoluto de pessoas que utilizam as redes sociais também aumentou muito da eleição de 2014 para cá. De acordo com informações publicadas pelo colunista Nilson Teixeira, do jornal Valor Econômico, o número de contas de Whatsapp e Facebook mais que dobrou desde 2013, chegando a 120 milhões em 2018 – lembrando que cada pessoa pode ter mais de uma conta em cada rede social.

A importação do modelo Trump

Parte da vitória do republicano Donald Trump na eleição presidencial dos Estados Unidos de 2016 é creditada ao sucesso de sua campanha publicitária nas redes sociais – além da suspeita de que ele tenha usado notícias falsas a seu favor e contra adversários.

A Cambridge Analytica, empresa que busca influenciar o comportamento das pessoas por meio de “comunicação estratégica”, foi a responsável por gerenciar a campanha de Trump nas redes sociais, atuando com mais ênfase no Facebook. A empresa abriu uma filial no Brasil em 2017 e busca candidatos que aceitem desembolsar bastante dinheiro para receber seus serviços.

TV, redes sociais, ou ambos?

Para saber qual o impacto que essa nova realidade deve ter na eleição de 2018, o Nexo conversou com dois professores de ciência política que estudam a relação entre mídia e eleições. São eles:

Fernando Antônio Azevedo, professor titular da UFSCar, pesquisador na área de comunicação política e eleições

Jamil Marques, professor da UFPR, pesquisador na área de comunicação e opinião pública

Qual será o papel das redes sociais em 2018?

FERNANDO ANTÔNIO AZEVEDO Esta será uma eleição com uma campanha curta [antes eram 90 dias de campanha, desde 2015 esse tempo é de 45 dias] e com restrições de financiamento [proibidos pelo Supremo em 2015], por conta das novas regras, e a sombra da Lava Jato, que deverá inibir doações ilegais.

Neste contexto, as mídias digitais e eletrônicas ganham uma grande importância nas estratégias de campanhas, pois são capazes de atingir grandes parcelas de público de modo instantâneo e simultâneo.

Penso que o horário [de rádio e TV], especialmente os spots veiculados ao longo da programação, será uma ferramenta mais poderosa e eficiente apenas para os partidos e coalizões que disponham de maior tempo na televisão e no rádio.

Aqueles que possuem pouco tempo certamente tentarão compensar a pouca visibilidade explorando e maximizando as novas mídias digitais, as redes sociais.

Em resumo, tanto TV quanto internet desempenham um papel central nas campanhas eleitorais, especialmente nas disputas majoritárias como a Presidência, governos estaduais e Senado.

Nas campanhas proporcionais (deputados), com a exceção daqueles “puxadores de votos” que os partidos e coalizões privilegiam nas inserções do horário de rádio e TV, os demais candidatos deverão conjugar uma campanha no estilo tradicional, que envolve o contato presencial e face-a-face, com os recursos da mídia digital, como os sites, Facebook, Instagram e os aplicativos de mensagem rápida como o WhatsApp.

JAMIL MARQUES Ainda que consideremos somente as campanhas eleitorais mais recentes no Brasil – de 2002 para cá – são perceptíveis as alterações pelas quais passaram os recursos de internet empregados na disputa pelo voto. Se em 2002 e 2006 os websites desempenharam papel fundamental, a partir de 2010 tais plataformas passam a ganhar a concorrência das redes sociais digitais, que hoje constituem um dos palcos mais relevantes na luta para convencer o eleitor.

Nesse sentido, as redes sociais digitais vão continuar a exercer um papel relevante por conferirem aos usuários a oportunidade de acompanhar – por meio de atualizações a cada instante e com antecedência maior do que aquela proporcionada pela propaganda no rádio e na TV – a construção dos projetos e das imagens que competem entre si. Parte dos cidadãos, assim, passa a compreender que o tempo eleitoral não mais se restringe àquelas semanas que antecedem a ida às urnas. Ao assumir um cargo, o representante já tem em mente um esboço do que pretenderá apresentar ao eleitor no próximo pleito, atuando de modo a privilegiar estratégias de comunicação que maximizem a ideia de “campanha permanente”.

Porém, algo novo, e ainda pouco abordado pela cobertura jornalística brasileira, refere-se ao fato de que os administradores das redes sociais digitais agora alcançam uma condição talvez tão relevante para a formação da opinião pública quanto aquela tradicionalmente detida pelas coordenações de marketing das campanhas, por jornalistas políticos e por institutos de sondagens.

Sendo mais claro, a capacidade de configurar algoritmos e de conferir privilégios a determinado tipo de conteúdo acaba afetando o tipo de conteúdo ao qual o usuário tem acesso em sua timeline. Nesse sentido, redes como Twitter ou Facebook passam a atuar como players relevantes no jogo eleitoral e com os quais agentes do campo da comunicação ou do campo da política precisam lidar.

A importância da TV será superada pelas redes sociais?

FERNANDO ANTÔNIO AZEVEDO Embora as redes sociais sejam cada vez mais acionadas pelas campanhas eleitorais em todo o mundo, as pesquisas e a literatura internacional mostram que a televisão ainda se mantém como o principal meio de se atingir os eleitores.

Isso se dá seja através das coberturas eleitorais dos noticiários, dos comerciais políticos durante a campanha ou dos debates promovidos pela televisão.

Mas as novas tecnologias de informação são cada vez mais usadas, como temos visto desde a primeira eleição de Barack Obama (2008), como uma ferramenta extremamente poderosa para repercutir eventos e declarações, mobilizar militantes e simpatizantes, organizar e distribuir material de campanhas e, mais recentemente, como poderoso instrumento de campanha negativa, como propagar notícias falsas (fake news) para atingir adversários. Vimos isso nas últimas eleições presidenciais aqui no Brasil e no último pleito americano que elegeu Donald Trump.

Além do mais, as mídias sociais possuem a capacidade de reproduzir sob demanda as peças de campanha e debates exibidos na televisão. Assim, talvez seja mais apropriado pensar a relação entre a TV e as redes sociais mais como ferramentas complementares do que como meios que competem entre si.

JAMIL MARQUES São plataformas complementares. Não vejo, necessariamente, uma “superação”. Isso porque o que ganha repercussão em uma plataforma acaba reverberando para outra. Trata-se de um processo chamado de “remediação”, no qual uma “mídia” replica conteúdos veiculados originalmente em outras.

Vemos isso acontecer o tempo todo: desde quando um post polêmico vai parar em reportagem do principal telejornal do país ou quando um programa televisivo fica em primeiro lugar nos trending topics. Com isso, mesmo aqueles que não acessam regularmente o ambiente de comunicação digital acabam recebendo, em alguma medida, conteúdos que foram primeiramente divulgados em redes sociais digitais.

Outra prova de que as plataformas acabam sendo complementares se refere à regulamentação exercida sobre a TV e o rádio, de um lado, e as redes sociais, de outro. Torna-se mais fácil promover campanha negativa no Twitter e no Facebook (mesmo que o “serviço sujo” seja terceirizado por “robôs” e demais perfis falsos) do que em um ambiente que permite uma margem de manobra menor para atacar adversários: é o caso do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral no rádio e na TV, em que o direito de resposta está melhor caracterizado na legislação.

Além disso, algo que teremos em 2018 – mas que já era registrado desde as eleições de 2014 ou mesmo 2012 – concerne ao fato de que a conexão permanente (ficamos cada vez mais tempo online por meio de nossos smartphones) faz com que os usuários adotem novas gramáticas para o consumo de informações. Isso implica, por exemplo, o uso de duas telas simultaneamente.

Com isso, o cidadão, ao mesmo tempo em que acompanha os debates televisivos, verifica o que seus contatos estão publicando na timeline e, naturalmente, também é estimulado a se manifestar. A disputa se dá, muitas vezes, pela atenção do eleitor: em um mundo disperso e de informações dispersas, vale usar até memes para atrair olhos e simpatia.

Há um perfil específico de candidato que vai melhor nas redes?

FERNANDO ANTÔNIO AZEVEDO Em geral os candidatos que vão melhor nas redes já possuem fora delas visibilidade política e capacidade de atrair e mobilizar eleitores e militantes com sua atuação política, em geral orientada mais por ideologia do que pragmatismo.

Dois exemplos dessa espécie, em polos opostos, são Marina Silva e Jair Bolsonaro. Mas essas características não bastam, é preciso estrutura e gente profissional para operar as redes de forma eficiente e articulada com o marketing político da campanha.

JAMIL MARQUES Do ponto de vista da comunicação, toda campanha eleitoral implica um trabalho de “alfaiate”. Ou seja, ainda que as forças políticas estejam arregimentadas nos meses (ou até anos) anteriores ao pleito, deve-se considerar que cada candidato tem características pessoais e trajetórias políticas próprias. Naturalmente, o contexto econômico, político-partidário e social também direciona o tipo de abordagem a ser adotada quando um candidato está associado a um perfil em rede social.

Mas essa necessidade de customização das estratégias de construção de imagem não se deve apenas ao perfil do candidato ou ao contexto no qual a disputa se insere. Isso porque cada disputa é marcada por um tipo de regra especifica.

Em campanhas proporcionais, o candidato ou candidata precisa conquistar (para obter a eleição) uma quantidade de votos válidos muito menor do que aquela necessária para um cargo majoritário. Nesse sentido, um candidato a deputado federal ou estadual pode, mais facilmente, empregar as redes sociais digitais de modo a explorar um discurso radical, uma vez que o alvo por ele pretendido compreende um nicho. Já em campanhas majoritárias, a necessidade de abrandar o discurso e se mover para o centro do espectro ideológico se mostra mais evidente (isso para aqueles que são de fato competitivos, logicamente).

Assim, seria esdrúxulo um candidato a vereador de município que conta com poucos milhares de eleitores exigir de seu assessor que promova uma campanha no estilo daquela elaborada pela equipe de Barack Obama em 2008. São gramáticas diferentes, são épocas diferentes e, principalmente, são públicos-alvo diferentes.

ESTAVA ERRADO: A primeira versão deste texto dizia que o Nexo havia conversado com um especialista sobre a relevância da TV e das redes sociais na eleição, quando na verdade conversou com dois. A informação foi corrigida às 17h31 de 19 de maro de 2018.

Fonte: NEXO

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