O erro do assessor II: forçar sua pauta de prioridades

Esse é o equívoco típico do assessor de personalidade forte, firmes convicções e que desfruta de considerável liberdade para opinar.

Teoricamente, é o assessor que todos gostariam de ter. Pode-se contar com ele para falar a verdade, ainda que dolorosa, e tem-se a certeza de sua lealdade e dedicação. Teoricamente. Porque, na prática, nem sempre é assim. No início do trabalho, tudo vai bem. Ele goza de uma latitude ampla para seu trabalho e é estimulado a dizer o que pensa, ainda que isso implique falar verdades incômodas. Suas sugestões são bem acolhidas e ele tem a satisfação de presenciar seu chefe utilizar seu trabalho e apoiar-se no julgamento dele.

O político vai para a frente de combate e o assessor fica na retaguarda, daí as diferenças

O problema aparece com o tempo. Cria-se, naturalmente, uma divisão de trabalho entre chefe e assessor. O político vai para a frente de combate, enquanto o assessor fica na retaguarda com a incumbência de pensar grande e mais adiante, pensar estrategicamente e municiar seu chefe com estudos, análises e dados. É então que começa a ocorrer um afastamento entre os dois, uma insistente divergência de perspectivas e, sobretudo, uma aguda discordância sobre prioridades.

O político vive o momento, as circunstâncias, o imprevisto. Está sempre exposto à mídia, ao enfrentamento com outros políticos. Em conseqüência, torna-se mais imediatista, suscetível a surtos de emocionalismo, mais sensível às críticas, mais intolerante e cada vez mais impaciente. O assessor, por seu lado, vive outra realidade. Ele está muito mais protegido desta pressão da dinâmica política, opera nos bastidores, trabalha num ritmo diferente que lhe permite escapar às pressões do imediatismo, pensa estrategicamente e desenvolve um senso crítico ainda mais exigente e apurado ao identificar os erros que seu chefe comete pela especial condição em que se encontra – na linha de frente.

O sinal visível desta situação é a mudança de comportamento do político, vis-à-vis seu assessor. Ela já não tem mais tanto tempo para conversar e discutir, revela-se mais sensível às críticas – as mesmas que antes acolhia com tanta boa vontade – não mais consulta seu assessor sobre certas matérias, torna-se mais seco, ríspido e impaciente nos contatos. Manifestando-se estes sinais, esteja certo, instalou-se um sério problema de trabalho e relacionamento entre você e seu chefe.

Para o político, a palavra do assessor perde força porque ele, não vivendo os desafios do momento, da realidade, a pressão do enfrentamento parece-lhe situado em outro mundo e suas idéias e sugestões são vistas como teóricas, carecendo de realismo, de senso de timing e, portanto, inoportunas. Para o político, as críticas de seu assessor são críticas ex post facto – isto é, críticas feitas a posteriori, com o benefício do tempo já passado e, assim, pouco úteis. Ainda que não sejam ditas desta forma, são recebidas como a antipática fórmula “Eu não disse?”. Frente a esta situação estabelecida, o assessor vive o seu dilema crucial:

Mantém sua posição mais distante – tentando assim preservar divisão do trabalho estabelecida de início ou

Passa a acompanhar o político na sua realidade cotidiana

Na primeira alternativa, consegue preservar sua visão de conjunto, as condições de pensar estratégicamente. O risco deste curso de ação, porém, é ser crescentemente percebido como descartável, desnecessário. Nesse caminho, a divergência sobre prioridades tende a cristalizar-se e o afastamento a aumentar. Para evitar que isso ocorra, o assessor tende a forçar mais ainda sua pauta de prioridades sobre o chefe, o que torna tudo ainda pior.

O político vive o imprevisto, é sensível e impaciente. O assessor pensa estrategicamente e desenvolve sua habilidade analítica

Na segunda alternativa, o assessor reconquista a sintonia de trabalho com seu chefe, ambos consensuam as prioridades e ele mergulha no mundo do político, reproduzindo no seu trabalho o mesmo imediatismo, tornando-se prisioneiro do conjuntural, do circunstancial, perdendo aquela condição de contraponto estratégico ao político, com a qual podia proteger sua retaguarda, pensar alternativas e manter as visões de conjunto e de longo prazo.

Ao adotar a segunda alternativa, na realidade, deixa de ser um assessor político para tornar-se um auxiliar. Esta condição significa não apenas um rebaixamento na sua auto-estima. Mais que isto, ela equivale a uma mudança radical na sua forma de viver.

Como assessor estratégico, trabalhando no gabinete, sua vida pessoal adquiria regularidade e previsibilidade. Trabalhava dentro de horários razoavelmente fixos, preservava seus fins de semana, tinha liberdade para fixar sua agenda e seus trabalhos.

Como companheiro do político, tal condição de vida não subsiste. Sua agenda é a do seu chefe, seus trabalhos perdem a continuidade, seu tempo estará sempre à disposição de uma chamada telefônica, sua mala sempre deverá estar pronta para a viagem não prevista, etc.

A resistência do assessor em mudar a divisão do trabalho original fundamenta-se, em grande parte, no desejo de possuir uma vida pessoal organizada, previsível e regular. Mas este é um argumento que, não tendo legitimidade na relação entre político e assessor, jamais é articulado.

Uma conversa aberta, franca e sincera costuma resolver tudo
Por isso, a saída é deslocar a discussão para o campo das prioridades – a razão por que o assessor tende a forçar sua pauta, a tentar impô-la ao seu chefe como a mais racional e a mais correta politicamente. Ora, como o chefe sabe que o que está em discussão não se limita às prioridades – uma vez que há componentes pessoais embutidos e escondidos dentro daquela discussão – sua reação é negativa: ele dá mais uns passos em seu afastamento do assessor.

O assessor deve evitar esse erro. Ao detectar os primeiros sinais do problema, deve preparar-se para conversar aberta e sinceramente com seu chefe.

Deve chegar a um acerto com ele, mediante o qual passa a se envolver mais na frente de combate, mas não ao ponto de perder as condições de exercer bem as funções para as quais foi contratado. Trata-se de reformular aquela divisão do trabalho original para poder preservá-la.

A franqueza ao abordar o assunto – antes que ele se agrave – e a disposição para aceitar as reformulações necessárias vai assegurar a sintonia entre ambos, junto da equilibrada e racional negociação das prioridades.

Fonte: Política para Políticos

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