As creches públicas ficam em Águas Claras, Núcleo Bandeirante, Guará e em outras cidades do DF com população de classe média, mas têm sido utilizadas por crianças de outras regiões administrativas, em detrimento, muitas vezes, dos filhos de quem mora ou trabalha nessas localidades. Critérios como participação em programas sociais e situação de risco colocam os pais na frente da fila na hora de conseguir uma vaga. Só que, dessa forma, as creches acabam por não atender a população das cidades para as quais foram destinadas, além da garantia constitucional de acesso à educação ser deixada em segundo plano.
Atualmente, o DF conta com mais de 260 escolas, creches e jardins de infância públicos. As instituições atendem cerca de 53 mil crianças entre o maternal e os jardins 1 e 2, com até cinco anos. Ainda assim, há muitas famílias aguardando uma vaga, seja perto ou longe de casa.
Em Águas Claras, há três creches. Uma está localizada na Avenida Jequitibá, Lote 935 – única na área central da cidade, conhecida como Águas Claras Vertical -, outra na QS 7, Rua 600, e uma terceira, na QS 8, Conjunto 220. As duas últimas estão situadas no Areal. Todas elas estão no padrão Centro de Educação para a Primeira Infância (Cepi), com capacidade para atender 112 crianças em tempo integral.
Fila
Renato Alves, professor de Educação Física, de 37 anos, tentou vaga para os filhos em todas elas. No dia da abertura para as inscrições, sua esposa chegou na fila às 5h e estava em 20º lugar. Mas, em função dos critérios de prioridade (ver quadro), passou para 78º.
“Essa creche não é para as pessoas de Águas Claras. Muita gente que não consegue vaga em outras cidades vem para cá”, reclama ele. “Se o critério for participar de programas sociais, ninguém de Águas Claras será beneficiado”, completa.
Segundo Renato, muita gente também acha que quem mora em Águas Claras não precisa colocar os filhos em escolas públicas.
“Fiz um post no Facebook comentando a dificuldade de conseguir vaga nas creches públicas da cidade e teve mais de 400 curtidas e comentários contra e a favor. Mas ninguém sabe da minha situação financeira. Tenho dois filhos e não tenho condições de continuar pagando, como faço hoje, uma creche de R$ 1,4 mil para uma criança de 3 anos de idade. E olha que essa foi uma das mais baratas que encontrei em Vicente Pires. Aqui em Águas Claras, elas não custam menos de R$ 1,7 mil em período integral e tanto eu quanto minha esposa trabalhamos o dia inteiro”, argumenta ele.
Demora e distância de casa
Maírlla Thaís, pedagoga, de 29 anos, conseguiu uma vaga na creche Jequitibá, na área central de Águas Claras, após dois anos na fila. “Fui atrás do Conselho Tutelar porque não tenho como pagar uma escola particular ou com quem deixar meus dois filhos. Moro no Areal e trabalho em Águas Claras”, conta ela.
As aulas na creche começaram na última segunda-feira. Procurada para prestar esclarecimentos sobre os critérios de seleção dos alunos, quantidade de profissionais contratados e atividades desenvolvidas, uma representante da direção da escola disse que não poderia receber a equipe de reportagem naquele momento. Porém, uma placa na fachada da creche informava que as inscrições estiveram abertas nos dias 23 e 24 de março, das 8h às 18h, e que “os critérios de seleção dos alunos não envolviam ordem de chegada”.
Mãe tem de levar filha para o trabalho
Vanessa Alves, de 33 anos, terá que levar a filha de um ano para o trabalho por não ter com quem deixá-la. Ela é comerciante e trabalha das 8h às 18h. Seu marido tampouco pode ajudar, já que é da área de informática e fica fora até as 23h.
“Procurei as creches próximas de casa (no Núcleo Bandeirante), Casa da Mãe Preta e Espaço Solidariedade, mas ambas nos pedem para procurar a Regional de Ensino para solicitar a matrícula”, comenta.
No entanto, ao chegar lá, o cadastro de Vanessa não é aprovado. “Eles dizem que eu não atendo aos pré-requisitos porque não participo de programas sociais, e minha filha não está em situação de risco. Acaba que as creches daqui atendem mais moradores da Vila Cauhy (bairro da periferia do Núcleo Bandeirante) e de outras cidades satélites”, alega.
Vanessa não pode pagar alguém para ficar com a filha. “Hoje conto com a ajuda de uma babá, mas ela vai sair porque não tenho mais como pagá-la. Não quero ficar com a minha filha no mercado porque já fomos assaltados e colocaram arma na cabeça dela”, diz.
A comerciante também não entende o critério de seleção que, a seu ver, favorece “pessoas desempregadas”. “Se elas não trabalham, subentende-se que podem ficar com suas crianças. Elas conseguem as vagas porque são bolsistas de programas governamentais. Assim, fica complicado”, reclama.
Condições sociais falam mais alto
Olga Maria Cardoso, diretora pedagógica da creche Casa da Mãe Preta, no Núcleo Bandeirante, que atende crianças de zero a quatro anos, diz que o local não tem mais vagas, pois todas as turmas já estão com a lotação máxima – 21 alunos. “Os critérios para o preenchimento são determinados pela Regional de Ensino. Mas, de fato, quase não atendemos crianças do Núcleo Bandeirante. Faltam creches em outras regiões e as crianças são enviadas para cá”, explica.
Ela também aponta que não há mais áreas destinadas à construção de creches na cidade. “O que indica que provavelmente continuarão existindo apenas três cheches aqui. Nós fizemos nosso convênio no ano passado, assim como a Solidariedade. Até então, só havia uma cadastrada na região, a Irmã Elvira”, conclui.
Regional de Ensino
A Regional de Ensino do Núcleo Bandeirante disse que não poderia falar com a reportagem, mas confirmou que a proximidade da residência ou do trabalho dos pais não é um dos critérios de seleção para vagas em creches.
Já a Secretaria de Educação (SE- DF) esclareceu que as vagas são disponibilizadas para as crianças inscritas e classificadas conforme os critérios socioeconômicos.
“As unidades funcionam das 7h30 às 17h30. Todos os alunos inscritos permanecem em lista de espera e, conforme novas unidades são inauguradas ou convênios efetivados, eles podem ser selecionados. O número de profissionais que trabalha em cada escola é discriminado pela instituição que administra a creche e compete aos gestores a seleção e contratação dos funcionários, conforme a legislação trabalhista”, explica a pasta.
Ainda segundo a SE-DF, a inscrição no Cadastro de Solicitação de Vagas deverá ser feita pelo pai ou pela mãe ou responsável legal, “que deve se dirigir à Gerência Regional de Planejamento, Acompanhamento e Avaliação Educacional (Grepav), localizada na Coordenação Regional de Ensino (CRE) à qual a instituição educacional, pública ou conveniada, está vinculada”.
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília