Deus nos proteja

02Muitas vezes as coisas que não nos afetam, como regra, não nos preocupam. Mas, quando o cidadão deixa de ser espectador e passa a ser protagonistada vida em sociedade, o sentimento de dor e de injustiça é avaliado de maneira diferente.
Que a cidade de Brasília não foi planejada para pedestre, todo mundo sabe. Agora, que também não foi projetada para idosos, cadeirantes, deficientes visuais e físicos, muita gente desconhece.

Quanto houve a escolha do projeto urbanístico vencedor para construção da cidade de Brasília, um dos critérios levado em consideração foi o planejamento que disponibilizasse mais trânsito e velocidades aos carros. Na época,a indústria automobilística e a produção nacional de petróleo estavam em crescimento, e o carro foi privilegiado como principal meio de transporte. Mas, nos dias de hoje, essa estratégia é inviável e são muitos os problemas de mobilidade e obstrução arquitetônica que enfrentamos.

Há algumas conquistas: a faixa de pedestre e semáforo com sinal sonoro para deficiente visual. Mas, proporcionalmente,são medidas acanhadas e pouco generosas ao se tratar da Capital Federal da República, pois deveríamos estar exportando exemplos e as coisas deveriam funcionar com perfeição.
Quem no papel de pedestre já precisou atravessar a via W3, das quadras 500 para as 700, de uma parada de ônibus a outra? Já notou que os semáforos são em direção oposta? Pois é, desta forma planejada, o pedestre é quem sofre. Para não ter que enfrentar os carros, precisa andar pelo canteiro central até o próximo semáforo. Podemos pensar em outro exemplo urbano: já tentou caminhar pela W3 Norte? Não há calçadas para o pedestre. Se, para o cidadão dotado de saúde plena já é difícil, imagine esses exemplos para um portador de necessidade física ou com alguma dificuldade de mobilidade.

O problema não para por aí, nos comércios, nas entrequadras do plano piloto, osidosos, os cadeirantese demais cidadãos que portam outros tipos de deficiência física enfrentam mais dificuldades. Sem rampa de acesso, sem calçadas que favoreçam a locomoção. E ainda, muitos comerciantes não estão preparados para receber esse público, que como qualquer cidadão quer usufruir o bem comum. Nesses locais é possível encontrar diversos tipos de barreiras arquitetônicas: escadas, elevadores muito estreito, portas, buracos nas calçadas, transportes públicos mal preparados, entre outros. Se, aqui, no “norte da asa”, o plano piloto, lugar nobre de Brasília, nós passamos por isso, como será nas cidades satélites onde o crescimento urbano é desordenado.
Poderíamos dar outro exemplo ainda mais triste da Capital Federal: são as visitas aos monumentos. Muitos lugares foram construídos em uma época em que não se pensava que todos os cidadãos teriam o direito de ir e vira todos os lugares. Pois, não é só o cadeirante que sofre com essa obstrução dos seus direitos, mas também o idoso ou o indivíduo com dificuldade de locomoção temporária precisam enfrentar verdadeiras maratonas para seintegrarem.

A Constituição Federal descreve expressamente o direito à igualdade no artigo 5º. A inclusão do deficiente no espaço público, nas escolas, no trabalho ou apenas em um simples passeio no comércio, é direito de ir e vir de todos os cidadãos. Nossas ruas, calçadas, comércios, transportes precisam ser “diferente para os diferentes”. No Decreto Lei n° 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, “mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação”. Como sempre, a“Lei” existe, mas o que falta é ser colocada, imediatamente, em prática.

Precisamos nos conscientizar que o planejamento da Capital Federal deve ser reavaliado, e as Leis de mobilidadeque favorecemo cidadão precisam ser cumpridas. Para que isso possa ser apressado, fica aqui uma ideia: todo parlamentar eleito pelo povo, deveria ser obrigado a usar o transporte público como carro oficial. Simples assim. Teria o privilégio de não precisarpagar, pois receberiam vale-transporte como qualquer outro trabalhador. Da noite para o dia passariam de espectador a protagonistas. Aflorar-se-ia a sensibilidade e ouviriam milhões de sugestões do seu povo. Estreitar-se-ia os laços da “real” realidade e quem sabe desse convívio,a necessidade humana deixaria de ser uma utopia. Os nossos espaços públicos, as nossas obras e poesias arquitetônicas em vez de serem apenas visualizadas e reverenciadas como divindades faraônicas, passariam a ter o verdadeiro papel funcional de servir a todos os cidadãos.

 

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