Tudo começa em 2003 quando soubemos que a maior parte de Vicente Pires pertencia à União, isso no período do Governo Lula. Muito antes porém, já havia dúvidas acerca de quem era o dono dessa terra. Em 1999, para se ter um exemplo, os representantes do Governo disseram que essa terra fazia parte de um espólio, portanto de propriedade particular.
Criou-se em 2003 uma sistemática de diálogo com o Governo Federal. A Arvips esteve sempre ativa procurando evitar derrubadas, e intermediando os diálogos. De 1999 até este ano de 2013, vimos o estado tentando fazer derrubadas, pouquíssimas vezes fazendo-as de forma correta. 95% delas foram indevidas, maldosas. Essas lutas foram o início do processo de regularização.
JVP – E hoje, o que já foi conquistado?
Hoje evoluímos bastante, temos um projeto de uma cidade regularizada. Para isso acontecer, 3 fatores precisam ser superados – o fator urbanístico, o ambiental e o fundiário. Em 2004 fizemos um acordo de cooperação técnica com o MP e o Ibama para elaborar o EIA/Rima, (Estudo do Impacto Ambiental), um processo de alta participação popular. Oito anos depois é que estamos conseguindo a primeira licença ambiental de Vicente Pires, que permitirá que o governo faça obras pesadas, como a drenagem pluvial. Conseguimos recentemente também recursos do PAC no valor de 420 milhões, que viabilizarão essas obras. Semana passada o CONAN aprovou que o IBRAN libere a licença para que essas obras se realizem. Paralelo a isso, transcorreu-se também o processo de urbanismo. O governo passado queria, ele mesmo, fazer o desenho de urbanismo e ter esse controle, que deve ser da comunidade. Desde 2005 nós estamos discutindo isso, em 2008 concluiu-se parte do trabalho com uma pequena participação popular. Em 2011, no governo Agnelo, essa discussão foi reaberta e 3 semanas atrás o COOPLAN aprovou, por fim, o projeto de urbanismo.
JVP- A quem você atribui estas conquistas?
Durante esses 10 anos e as conquistas que tivemos são a consolidação de uma luta. O povo que veio para cá, na busca de uma melhor qualidade de vida, consolidou com sua luta e esforço aquilo que vieram buscar. Essa é uma conquista feita pela capacidade de organização que tivemos no passado. Esse elemento nos leva, portanto, a uma conclusão de que a cidade foi de fato organizada e suas lideranças conseguiram ter a responsabilidade necessária para fazer isso acontecer.
Se não fosse a associação, as centenas de reuniões e assembleias, não teríamos a cidade que temos hoje. Teríamos uma qualidade de vida muito inferior ao que temos. Potencializamos a cidade do ponto de vista político. Isso foi demonstrado na última eleição. Talvez tenha sido a última cidade que tenha oferecido a uma única candidatura local, mais de 12 mil votos, mais de 20% dos votos dos eleitores da cidade, mostrando que a cidade tem o potencial de organização até mesmo para fazer movimentos políticos capazes de dar à região capacidade de angariar recursos.
JVP – E em que pé está a questão fundiária, sobre a forma de pagamento dos lotes?
Desde 2003 reclamamos as escrituras dos nossos lotes. A discussão sempre foi como operacionalizar isso, como tirar algo que é público, da união, e colocá-lo na mão dos moradores. Hoje a terra ainda continua sendo da união, e é dificultoso alterar os registros, visto que há o interesse contrário de indivíduos poderosos que praticam grilagem e têm a prática de confundir o judiciário, que querem conturbar o processo. Nos próximos meses, porém, boa parte dos bloqueios devem ser solucionados.
A venda dos lotes para os moradores também é uma discussão de muita importância. O custo não pode ser abusivo, não podemos ser lesados pelo estado, mas não queremos também lesar o governo. Nessa busca de equilíbrio entre interesses, nós estamos buscando um formato onde o preço seja dialogado, razoável. Existem algumas áreas que são da TERRACAP onde o processo deve ser agilizado e ir a cartório rapidamente. Antes disso acontecer, é necessário que a negociação do valor do metro quadrado aconteça. Não pode haver especulação sobre a terra, o preço deve ser aquele que o governo gastou na origem da região. A valorização dos lotes, historicamente, aconteceu por meio da determinação do povo de transformar a cidade, e não deve ser transferido, pago ao governo, que nada teve a ver com isso. Queremos devolver, reajustado, somente aquilo que o governo investiu aqui. O governo já entendeu que deve nos conceder um desconto nesse valor, com base em tudo que já foi gasto em infraestrutura pela sociedade, e que ainda será gasto, como por exemplo em compensação ambiental.
Ele deve vender os lotes, para aqueles que pagarão à vista, com um bom desconto dentro dos parâmetros desse tipo de negociação, de até 50%. Aqueles que ganham até 5 salários mínimos também poderão ter o direito de pagar um valor bem inferior. Buscamos um “preço social”, mas para que isso aconteça, precisamos superar algumas dificuldades políticas e jurídicas.
JVP – Há uma especulação sobre a licitação, e que moradores que não pudessem comprar até perderiam os seus lotes, isso é verdade?
Um acordo de 2008 entre a União e o DF define que as vendas deverão ser vendas diretas. Não haverá licitação. Nós não superamos ainda o TAC assinado em 2009 entre o DF e o MP que fala sobre a possibilidade de licitação para lotes comerciais. Mas há uma dúvida jurídica sobre essa demanda. O governo atual não está interessado em fazer licitação de nenhum tipo de unidade aqui dentro da cidade. Há muitas especulações maldosas, mas nós, como comunidade, reagiremos, se qualquer fator dentro do processo for contrário aos nossos interesses, criando caminhos judiciais, políticos, até chegarmos num consenso.
JVP – Como a força política de Vicente Pires e seu nível social contribuem para a regularização?
São dois aspectos que precisam ser lembrados: O primeiro é a importância geopolítica dessa cidade. Vicente Pires é uma cidade formadora de opinião. Temos uma força política grandiosa, um raio de influência gigante. Temos um grande número de servidores públicos e empresários influentes que moram aqui. Não estamos trabalhando com uma população ingênua, mas sim com pessoas com conhecimento suficiente para se defender. O segundo aspecto tem relação com aquilo que virá a frente.
Queremos transformar essa cidade em uma região administrativa reconhecida pela sua capacidade e sensibilidade social e ambiental. Vicente Pires tem o potencial de ser a primeira cidade ecológica do Distrito Federal. Todo Vicente Pires deverá ser monitorado. Nos próximos 6 a 8 anos teremos a missão de recuperar os lençóis freáticos da cidade por causa da contaminação das fossas. A população está ciente e tem vontade de fazer isso. Há, de dentro pra fora, o sentimento de que podemos e temos que fazer algo diferente. Isso é o que nos consolida como um projeto de cidade do futuro. Problemas terão, como o sistema viário, temos muitos carros, etc, mas superaremos esse desafio.
JPV – Como você entende a questão das novas lideranças comunitárias?
A cidade precisa, por fim, do surgimento de novas lideranças. Ela precisa de pessoas que possam ajudar a pensar a cidade para o futuro. Temos 80 mil moradores e o potencial para 300 mil, então precisamos de mais cabeças pensantes para nos ajudar.
Eu sou visto, pelas pessoas como um representante legal, pelo meu histórico de luta em defesa da cidade, se isto for traduzido como um líder, então eu sou, sobretudo sou alguém que tem prestado um serviço e ajudado a melhorar a cidade na medida do possível. Temos uma causa, traduzida nas nossas lutas, contra tratores, contra ameaças de morte, de pessoas que derrubavam a nossa mata, enfim, na busca da nossa consolidação.
Estamos envolvidos de corpo e alma nos problemas da nossa cidade, mas precisamos que mais pessoas se envolvam. Temos muito trabalho a fazer, e precisamos de novos atores para darmos conta disso. Não é escrever um artigo em jornal local, ter um bom número de amigos, que faz da pessoa um líder. Um líder se faz com o tempo, com luta, com a construção de relacionamentos. Também não queremos que alguém de fora venha nos representar. Como fruto de tudo o que estamos construindo, acreditamos também no surgimento de novas lideranças, quem sabe até de um governador, nascido desse coração geográfico e geopolítico do Distrito Federal.
Uma última conquista que devemos alcançar é que tudo aquilo que gastamos, com asfalto, rede elétrica, etc, seja deduzido do valor dos lotes, o que será uma conquista extraordinária para baixar os custos para a nossa comunidade. Os 420 milhões de reais para as obras de infraestrutura chegaram, estão para ser aplicados, várias obras acontecerão e são fruto de um compromisso da presidente Dilma conosco, e que trará inúmeros benefícios para Vicente Pires.
Fonte: Blog do Evan do Carmo