Para Maquiavel, o que o governante deverá evitar é ser “odiado” ou “desprezado”.
Há dois tipos de reputação que qualquer pessoa com poder deve evitar a todo o custo, tanto nos tempos de Maquiavel, quanto nos dias atuais: ser odiado e ser deprezado. Maquiavel vai ao ponto de afirmar que, se o príncipe consegue evitar estas marcas na sua reputação, os demais defeitos que possa ter não ameaçam o seu poder.
Governante não pode e nem deve ser odiado ou desprezado
Ser odiado
O realismo político de Maquiavel sempre distingue o efeito das ações dos governantes sobre os muitos (que são os pobres, simples, sem ambições políticas) e os poucos (que são os ricos, aristocratas, os que buscam o poder, os que têm meios de conspirar contra o príncipe). Embora uma divisão grosseira da cidadania, esta divisão com a qual Maquiavel trabalha ainda é válida e usada até hoje, quando segmentamos o eleitorado de acordo com critérios sócio-econômicos.
Segundo Maquiavel, o que o governante deverá evitar é ser “odiado”. Atenção, é preciso valorizar as palavras, ele não está falando em ser impopular, antipático, adversário, etc. Trata-se de um sentimento muito mais forte, cristalizado, que é ordinariamente dirigido contra os inimigos. Este é o sentimento que o governante deve evitar que seus súditos tenham em relação a ele.
Ao apresentar as razões pelas quais os súditos adquirem ódio pelo governante, aparece novamente – sob a linguagem da época – a modernidade da análise de Maquiavel. Não é por pouca coisa que os súditos desenvolvem ódio. É preciso que o governante use seu poder para afetar direta e negativamente a vida individual das pessoas. É o “foco emocional” sobre o qual já se falou aqui.
É preciso que ações políticas e administrativas “penetrem” a vida pessoal e familiar do indivíduo, de forma negativa ou positiva, para que ele estabeleça um vínculo forte com o mundo político, tão óbvio que, mesmo pessoas que não acompanham a política, sejam forçados a dela tomar conhecimento.
Assim, um governante torna-se odioso quando, por sua rapacidade e ganância, “usurpar a propriedade e as mulheres dos seus súditos”, em outras palavras, atacar e saquear a propriedade, os bens e a honra dos súditos.
Este o erro fatal que conduz ao ódio: ingressar no espaço da vida pessoal das pessoas como um usurpador a assaltar os bens, os meios de vida, e a honra das pessoas comuns. Se evitar fazer isto a maioria dos súditos sentir-se-á feliz (já que para Maquiavel o que o povo realmente deseja é “não ser explorado pelo governo, ser deixado em paz”), e o governante terá que preocupar-se apenas em combater a ambição dos “poucos”, que, por serem poucos, podem melhor ser vigiados.
Ser desprezado
Para Maquiavel, o governante é considerado desprezível quando se mostra volúvel, frívolo e tímido
Para Maquiavel, o governante se torna desprezível quando passa a ser percebido como volúvel, frívolo, tímido e irresoluto.
Um governante deve evitar esta imagem a todo o custo, e suas ações devem aparecer para os seus súditos como exemplos de: “…grandeza, espírito, gravidade, e força, e, uma vez tomadas suas decisões, garantir que são irrevogáveis, de forma a que não se imagine que ele possa ser persuadido a mudá-las”.
O governante que criar esta imagem de si mesmo (respeito pelos seus súditos, e força e firmeza nas suas decisões) adquire uma reputação muito poderosa. Torna-se então muito difícil conspirar contra ele (ou opor-se a ele) já que possui uma grande reputação positiva, e ele dificilmente será atacado (desafiado)em seu poder, na medida em que se sabe que é competente e respeitado pelo povo.
O governante sempre terá, potencialmente, dois perigos que deve temer: o externo e o interno. As forças externas, Maquiavel adverte, são enfrentadas com boas armas e bons amigos, e, com seu frio realismo acrescenta: “E quem tem boas armas sempre terá bons amigos…”. Já com relação às forças internas, ou são os poucos que o ameaçam ou são os muitos. Os poucos, com o respaldo popular, e com sua competência e atenção, pode sem maiores dificuldades conter e derrotar.
Com relação aos muitos, entretanto, “um dos remédios mais potentes que o príncipe possui contra as conspirações é não ser odiado por seu povo, nem desprezado. Pois aquele que conspira sempre confia que a derrubada do governante vai trazer alegria e satisfação ao povo (os muitos). Se, entretanto, ele imaginar que, ao contrário, sua ação contra o governante vai ofender ao povo, ele não vai se expor ao risco de tentar derrubá-lo”.
O governante sábio, portanto, nem permite que os nobres sejam levados ao “desespero”, nem se atreve a ofender o povo, a roubá-lo de seus bens e atingir a sua honra. Nada mais perigoso para um governante, pois, que a reputação de desprezível e o sentimento de ódio do povo em relação a ele.
Fonte: Política para Políticos