‘Nossa guerra é a emocional’: um panorama sobre Facebook e Fake News

Controle de massa era uma algo que ficava reservado aos malucos de plantão e teóricos da conspiração. Sabe aquela coisa: “a internet/TV te manipula”? A gente até acreditava que era possível, mas as provas palpáveis eram escassas. Exatamente por isso, o escândalo do Facebook com a Cambridge Analytica está ajudando a abrir muitos olhos sobre essa questão.

Na tarde da última quarta-feira (04), batemos um papo com Anderson Ramos, CTO (diretor-chefe de tecnologia) da Flipside. Se você não conhece o trabalho do CTO, por cima, o cara é o responsável por um dos maiores eventos hacker da América Latina, o Roadsec — a Flipside também realiza outros eventos, como o Mind the Sec, voltado ao mundo corporativo da segurança.

As revelações desse caso mostraram que o buraco é mais embaixo

Anderson queria compartilhar algumas análises que vem fazendo sobre a questão que envolve Facebook e Cambridge Analytica. No papo, o CTO foi categórico: tudo é sobre a guerra emocional.

  • Abaixo, você acompanha os principais pontos e pensamentos trazidos por Ramos sobre a questão Facebook e Cambridge Analytica, que envolve desde as fake news até o marketing político e construções de narrativas.

anderson ramosAnderson Ramos

O escândalo foi um problema novo?

“Não é um problema novo, mas a consciência é. Uma consciência que chegou em um novo patamar. As revelações desse caso mostraram que o buraco é mais embaixo”, diz Anderson.

O buraco é mais embaixo porque as pessoas estão entendendo, também, a quantidade de dados que as empresas podem acumular. E isso ainda abre novas perguntas.

“Você [empresa] acumula dados porque não existe limite, o limite é a capacidade tecnológica de análise. E ela não para de crescer, não para de baratear. Dessa maneira, vamos conseguir fazer análises cada vez mais aprofundadas. Não é por menos que dizem que os dados são o novo petróleo. Muitas vezes a gente não tem essa percepção, esse conhecimento.

Qual o limite de uma empresa privada? A percepção da opinião pública, se é certo ou não fazer algo

As pessoas estão começando a se ligar nesse barulho. O cara comenta dentro de um táxi sobre algum produto e, quando menos percebe, esse mesmo produto começa a ser oferecido para compra em suas redes sociais. Isso está levantando perguntas: será que eles estão me ouvindo?”.

O CTO ainda relembra que nós estamos envolvidos por publicidade e política, e todas as empresas que trabalham com isso precisam desses dados pessoais de alguma maneira.

“Os dados mostram tudo: o acelerômetro indica a sua velocidade, o GPS por onde andou, o smartwatch os seus batimentos cardíacos e até a temperatura do seu corpo. Todas essas informações cruzadas podem ser utilizadas de alguma maneira. E as empresas estão acumulando e acumulando esses dados.

Qual o limite de uma empresa privada? A percepção da opinião pública, se é certo ou não fazer algo. Agora, com o Facebook, estamos vendo uma resposta massiva indicando que essa linha foi cruzada”.

A massa silenciosa

Fake news. Para muitas pessoas, esse é o problema atual das redes sociais. Muita gente acha que a regulamentação é o caminho. O que você acha?

“Até que ponto a rede social é uma plataforma ou é uma mídia? Essa polarização que todo mundo fala que vivemos, não sei até que ponto é natural ou efeito das técnicas mais baixas utilizadas, nessa guerra de narrativa dentro da imprensa.

É como vimos nessa guerra política nos Estados Unidos, na eleição norte-americana, a mesma agência de publicidade cria o perfil falso da oposição, o perfil radical de apoio ao candidato… E isso vem rolando faz bastante tempo. Mas isso é problema de superfície: a questão da CA acabou revelando algo mais profundo.

Quem decide eleição é a tal da massa silenciosa, os “swing voters”. Pessoas que até podem possuir simpatia por algum lado, mas votam de maneira pragmática

Por exemplo: a questão das urnas, sobre a segurança, está aparecendo bastante. Mas, o que não é muito discutido, é que existem formas muito mais simples de você fraudar uma eleição — e são formas bem old school.

Você não precisa ser um gênio do marketing político pra saber isso. Quem decide eleição não é ativista, aquela pessoa que possui posições mais firmes alinhadas com algum político. Esse tipo de pessoal é uma minoria, mas são mais vocais e fazem mais barulho.

Quem decide eleição é a tal da massa silenciosa, os “swing voters”. Pessoas que até podem possuir simpatia por algum lado, mas votam de maneira pragmática. O motivo? O sistema democrático é pragmático. É fácil o seu voto virar um voto útil no segundo turno de uma eleição.

As empresas iguais a Cambridge Analytica, com esse objetivo, sempre trabalharam com esses estudos. O que mudou foram os métodos”.

andersonAnderson Ramos em palestra

O controle emocional e a vitória nas urnas

“As pesquisas eleitorais são encomendas por agências e candidatos, por exemplo. E o que vai para a mídia? A porcentagem de intenção de voto para cada candidato. Só que essas pesquisas também realizam perguntas subjetivas, elas são feitas utilizando diversos tipos de métodos. Às vezes, por mais que existam questões legais e éticas, eles não deixam muito claro na pergunta sobre o que a pesquisa pretende saber na verdade. Por exemplo, fazem perguntas como: ‘qual a sua principal preocupação no Brasil?’. De acordo com a resposta, seja segurança ou educação, é possível descobrir o que está atraindo politicamente a população”.

Por meio de pesquisas e dados, é possível mudar e controlar a própria narrativa rapidamente e, dessa maneira, ganhar mais votos dos swing voters

Anderson Ramos é categório ao afirmar que o marketing político precisa entender o que vai mexer com a massa silenciosa, com os swing voters. Tudo que a Cambridge fazia era especificamente isso: por meio dos dados, entender como mover a massa silenciosa de eleitores nos Estados Unidos.

“A fake news, o que parece ser parte desse jogo, é um sintoma na verdade. Isso vem do efeito de que as pessoas começaram a perceber essa guerra da informação, o que importa é controlar a narrativa — tirando a verdade de jogo. Mas o que está passando despercebido é: essas fake news não servem para mexer com aspectos factuais, mas sim com aspectos emocionais.

  • Zuckerberg assume que errou no escândalo da Cambridge Analytica

Mexer com o aspecto emocional das pessoas não entrega uma resposta racional. Recentemente, tivemos um general do exército fazendo comentários, no mínimo, desnecessários. ‘Está tudo uma bagunça, melhor colocar um cara desses para botar ordem’. Isso não é uma resposta racional, é uma resposta emocional.

São montados perfis da massa silenciosa usando dados e pesquisas. O que, emocionalmente falando e não factualmente, moveria esses eleitores. A partir disso, as agências montam as operações, criam perfis para mover pessoas etc.

O que está incomodando quem não é ativista? Tudo virou treta, o churrasco de domingo virou briga

Quanto mais dinheiro, mais chances de um político ser eleito. Por meio de pesquisas e dados, é possível mudar e controlar a própria narrativa rapidamente e, dessa maneira, ganhar mais votos dos swing voters. Os cargos, hoje, têm um preço.

Quando reclamam da polarização, elas não reclamam de questões factuais, mas de reações emocionais. O que está incomodando quem não é ativista? Tudo virou treta, o churrasco de domingo virou briga”.

facebookMark Zuckerberg, CEO do Facebook

Como resolver o sintoma da fake news?

“As plataformas de redes sociais nunca vão conseguir curar um conteúdo. Se elas fizerem isso, elas vão deixar de ser uma plataforma e vai inviabilizar o modelo de negócio. O que ela pode, e faz, é retirar algum conteúdo explícito. É uma posição frágil.

E essas informações de fake news, cada vez mais, estão fluindo fora das redes sociais. Elas estão tomando os mensageiros, o WhatsApp, o Telegram, o Messenger… As próprias redes sociais foram pegas de surpresa com tudo isso. O Facebook, por exemplo, com o escândalo da CA mostrando que a rede social foi usada para eleger um candidato [Donald Trump] que vai contra os ideais da empresa.

A campanha #DeleteFacebook mostra uma visão bastante estreita do problema. Não é só o Facebook que está fazendo essa coleta de dados, é o seu provedor de internet, saoi os sites que você acessa, seu smartwatch, seu tablet, sua TV e daqui a pouco sua geladeira.

Se você tiver uma visão moderada sobre o que aconteceu nos últimos anos, as pessoas estão com uma visão meio cansada

Os europeus estão em um caminho um pouco mais certo, criando regulamentações sobre vazamentos e tratamento de dados. Só que, sendo bem franco, eles realmente acreditam na capacidade do Estado de resolver seus problemas. Eu não sei até que ponto outros Estados funcionariam da mesma maneira. A polícia tem capacidade de investigar? A polícia científica tem capacidade de periciar? O Ministério Público tem capacidade para criar um caso? É uma série de questões. O europeu está sim no caminho mais certo, mas pensando em bases gerais.

  • Entenda mais sobre a GDPR, a regulamentação na Europa

Antes de tudo, é preciso ter consciência de que tudo isso está acontecendo para, depois, desenvolver a própria inteligência a respeito disso. É preciso criar uma grande estrutura de convívio. A gente pode até não se gostar, mas se encontrarmos uma forma de trabalhar lado a lado, a sociedade prospera. Pegar em armas e dar tiro um no outro só subtrai o que temos.

Nós vemos muito ruído, muita gritaria nas redes sociais. Mas se você entrar em um táxi hoje, por exemplo, e puxar conversa… Se você tiver uma visão moderada sobre o que aconteceu nos últimos anos, as pessoas estão com uma visão meio cansada, meio ‘tanto faz’, tudo meio igual”.

Fonte: TecMundo

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui