Não deu like: Instagram elimina curtidas para proteger autoestima de usuário

Competição por cliques motivou decisão da empresa; psicólogos consideram necessidade de aprovação em posts um risco à saúde mental

Se você entrou no seu Instagram e notou algo de diferente, não se assuste. Seu aplicativo não está quebrado e não se trata de um bug escabroso. É que, nesta quarta-feira, a plataforma anunciou que o Brasil se tornou o segundo país no mundo a participar de um teste que esconde as curtidas das fotos no feed. Ou seja, agora só os próprios usuários poderão saber se suas fotos floparam ou bombaram.

Ainda que tenha deixado uma série de influencers e empresas de marketing angustiados, a mudança não foi feita pensando neles, mas sim nos usuários. Ao menos segundo o Instagram. De acordo com a rede social, a decisão é parte de uma série de ações que buscam transformar a plataforma em um espaço menos tóxico para a saúde mental de quem a usa.

A discussão não é nova. Boa parte das críticas mais duras ao Instagram — e várias outras redes sociais — fala sobre a criação de uma espécie de realidade de faz de conta, onde todos projetam imagens irreais de sua rotina para se destacarem no meio do algoritmo.

É um excesso de pressão social, numa estética do que alguns teóricos chamam de felicidade tóxica ou imperativo da felicidade. No seu extremo, ela passa a ser prejudicial à saúde emocional das pessoas, gerando mal-estar, baixa autoestima e desconforto”, explica Rodrigo Nejm, psicólogo e diretor da SaferNet.

O resultado: insegurança generalizada e baixa-autoestima, que flutuam constantemente de acordo com o número de curtidas em cada postagem. E não precisa ser assim. “A plataforma pode fazer bem às pessoas, desde que a gente consiga usá-la com critérios que não sejam unicamente de competição, comparação e imperativo de felicidade. Não existe vida perfeita sem momentos de tristeza, derrota e fragilidade. Se começamos a fingir que isso não existe, não é saudável” destaca Nejm.

Como destaca Priscilla Silva, pesquisadora em direito e tecnologia do ITS Rio, a situação se torna ainda mais grave se considerarmos que a maioria esmagadora dos usuários do Instagram é jovem. “É um público com a personalidade em formação e mais sujeito a quadros de depressão e vícios de tecnologia”.

Rede social vem anunciando uma série de ações para combater o cyberbullying Foto: Pixabay

Os próprios jovens parecem saber disso. Uma pesquisa de 2017, a Royal Society for Public Health, do Reino Unido, entrevistou cerca de 1,500 jovens sobre qual seria a rede social mais prejudicial a sua saúde mental. O vencedor (ou perdedor) foi o Instagram. “Estudos indicam que, para pessoas que estão em um quadro vulnerável, o uso de algumas plataformas pode agravar o quadro desse sofrimento emocional” explica Nejm.

A conclusão, que não é nova, preocupa a plataforma, que hoje acumula um bilhão de usuários mensais. Por isso mesmo o comunicado do Instagram sobre o início dos testes ressaltou que a prioridade da empresa é fazer com que não “sintam que estão em uma competição”.

Nas palavras da própria empresa, o (possível) fim das curtidas existe para combater a cultura da corrida pelos likes: “Nossa expectativa é entender se uma mudança desse tipo poderia ajudar as pessoas a focar menos nas curtidas e mais em contar suas histórias“.

Para os especialistas ouvidos por ÉPOCA, caso concretizada de vez, a mudança só pode ser positiva. Karen Scavacini, psicóloga especialista em mídias sociais e chefe do Instituto Vita Alere, é uma das profissionais que enxerga possíveis melhorias com o fim da exposição dos likes: “Vemos muitos adolescentes que têm uma ansiedade tão grande em relação às curtidas que passam a dormir menos e mal. E se ele demora para ver um post que bombou, fica a sensação de que ele estava por fora, excluído”, explica. “Acredito que essa mudança vai ajudar as pessoas, inclusive, a melhorar seu sono e questões como o FoMo (Fear of Missing Out em inglês), que é o medo de não estar vivenciando algo interessante”.

Para Priscilla Silva, do ITS Rio, a mudança reflete um processo crescente entre as redes sociais: conforme identificamos os problemas causados pelo uso dessas plataformas, é preciso repensar as fundações do design desses produtos. “Estamos tendo de voltar alguns passos atrás para ver como lidamos com esses novos problemas da tecnologia”, explica.

E se trata de uma conclusão essencial para o futuro da internet. Como destaca Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab, a admissão do Instagram de que a arquitetura de seu produto pode não ser benéfica para os usuários é um passo importante uma mudança de comportamento das grandes empresas do Vale do Silício:

O Facebook [que é dono do Instagram] quer ganhar dinheiro, claro. É uma empresa. Mas isso muda um flanco de conversa muito importante. Entra em decadência o discurso de que a plataforma é só um ator neutro. Não se trata de querer que elas policiem seus usuários, por exemplo. Mas reconhecer que seus produtos influenciam os usuários. Agora precisamos construir um valor comum como sociedade para demandar mudanças para elas. Temos que entender, como sociedade, que a plataforma quer participar da conversa.

UMA NOVA ERA DE INFLUENCIADORES

Fãs gravam show de Iza em São Paulo Foto: Mauricio Santana / Getty Images
Fãs gravam show de Iza em São Paulo Foto: Mauricio Santana / Getty Images

E os influencers, como ficam? Talvez o maior símbolo do Instagram, os influenciadores existem em todos os tipos de assunto. De moda à dermatologia, do esporte à cultura, eles são uma das maiores forças da internet e mobilizam multidões em seus perfis. E, com isso, também chamam a atenção de anunciantes e movimentam cifras milionárias.

Basta pensar em Kim Kardashian, talvez a influencer por excelência no mundo, que cobra um milhão de dólares por um post para os seus 144 milhões de seguidores. E não é só ela que movimenta grandes quantias. De acordo com o portal alemão Statista , o mercado de influenciadores pode chegar a 2,3 bilhões de dólares só em 2019.

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Mas é possível que haja algo de podre no reino das selfies. Como mostrado pela “Vice“, o faturamento da indústria dos influenciadores vive uma recessão. Um estudo da firma InfluencerDB diz que quase toda as categorias de influencers tiveram taxas de engajamento reduzidas, em parte por conta do turbilhão de postagens na plataforma.

A informação se alinha com a revelação, publicada pela revista “The Atlantic” no final do ano passado, de que o número de postagens falsamente patrocinadas está em alta. Entre as principais críticas estão a de artificialidade das postagens e a dificuldade de se destacar entre tantos milhares de concorrentes, profissionais ou amadores.

E não é que o fim das curtidas visíveis no Instagram pode acabar ajudando a revitalizar a indústria? Ao tirar a força dos números expostos — e da validação causada por eles — o Instagram pode estar dando início a uma nova era de influenciadores mais reais”.

Para influenciadores, no início, talvez gere até mais ansiedade. Mas acredito que eles vão se habituar, é um período de adaptação. E eles vão passar a se preocupar mais com o conteúdo do que com as reações”, explica Scavacini.

No final das contas, os próprios influencers continuarão tendo acesso a seus números particulares. E as táticas de benchmarking — programas e técnicas para gerar relatórios numéricos na internet — não serão alteradas. A mudança se dará na esfera pública.

“Há preocupação com questões das métricas, mas o produtor de conteúdo continua tendo acesso aos relatórios, pode compartilhar com empresas parceiras e continua monitorando a reação dos seus seguidores. Me parece ser suficiente para administrar sua audiência e seus conteúdos”, argumenta Nejm.

Para ele, esta é uma oportunidade de renovar a linguagem praticada pelos próprios influenciadores e o mercado publicitário nas redes sociais.“Pode pensar em promover saúde emocional e aliviar um pouco essa pressão do corpo perfeito, da vida perfeita, do sucesso pleno, porque isso não é vida real”, diz.

No mercado, a visão é parecida. Para Rodrigo Soriano, CEO da Airfluencers, que faz relatórios e análises de influenciadores, o fim da mostra dos likes “pode ser muito positivo”. Segundo ele, conteúdos com autenticidade, relevância e contexto devem ganhar força e “se sobrepor aos números de likes e seguidores”. Com isso, o feed se aproxima mais da lógica de outro serviço do próprio Instagram, cada vez maiores dentro da plataforma: os stories, que não mostram o número de visualizações para os seguidores.

Kim Kardashian tira uma selfie no palco do Brit Awards, em Londres. A americana é a maior influenciadora do Instagram, com 144 milhões de seguidores. Foto: Jim Dyson / WireImage
Kim Kardashian tira uma selfie no palco do Brit Awards, em Londres. A americana é a maior influenciadora do Instagram, com 144 milhões de seguidores. Foto: Jim Dyson / WireImage

“Para se destacar, vai ser necessário criar conteúdo de primeira, e quem ganha é o público. Os anunciantes terão um certo trabalho para se adaptar, uma vez que já existe uma cultura de métricas em cima dos likes dentro das empresas. Mas quando entenderem o real valor desta mudança, eles vão conseguir ter mais relevância em suas campanhas e possivelmente números melhores”, argumenta.

E o Instagram não sairia perdendo com essa mudança. Ainda que se trate de uma mudança a princípio positiva para os usuários, não significa que ela também não se refletirá no ponto de vista econômico. “O Facebook é uma companhia aberta que tem de prestar contas aos acionistas. As mudanças tem que fazer sentido numa lógica econômica. E precisamos entender que essas mudanças têm ambiguidades, podendo tanto representar melhorias econômicas quanto ganhos para usuários e a sociedade”, explica Francisco Brito Cruz, do InternetLab.

É um coro feito por Priscilla Silva, do ITS Rio: “A empresa não vai dar um tiro no pé e implantar algo que é bom eticamente para o usuário mas péssimo para o negócio. Ela tenta coordenar seus interesses”.

Fonte: Época

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