Lurian Cordeiro Lula da Silva virou notícia pela primeira vez em 1989, quando o então candidato à Presidência Fernando Collor exibiu depoimento de sua mãe acusando seu pai, o ex-presidente Lula, de tê-la incitado a fazer um aborto. O tempo passou, Collor e Lula viraram aliados, e Lurian veio parar em Maricá, na Região dos Lagos. É na cidade que ela diz ter enfim encontrado paz e onde pode iniciar a vida pública em 2016. Cotada para ser a candidata à sucessão do prefeito Washington Quaquá (PT), Lurian avalia que a campanha eleitoral de 2014 foi pior que a de 1989, diz que o “ódio” incomoda o pai e prega a volta de Lula para disputar a Presidência em 2018.
O DIA: Qual sua avaliação do governo Lula?
LURIAN: Nunca antes na história desse país tanta gente se tornou igual. O governo do meu pai resgatou a autoestima do povo brasileiro.
Como ele vê os escândalos de corrupção?
Ninguém gosta de nada negativo. Sinto que ele fica dolorido por esse ódio. Isso mexe com ele e todos nós. É aquela coisa do pai que deu tudo, e é visto como maldito. Não é querendo mérito, a ingratidão é diferente. E foi nos governos do PT que mais se investigou corrupção. E são escândalos que começaram antes.
Ele volta em 2018?
Se não tiver um nome construído, ele vai. Aguenta o tranco: a voz mudou, o cabelo e a barba caíram, mas a essência não mudou. Como militante, acho ótimo. O povo merece a conclusão desse ciclo de crescimento. Lula é um formador de políticos. Quem colar nele, mesmo sem ambição, tem futuro.
Você já morou e trabalhou em Santa Catarina e São Paulo. O que Maricá tem de diferente?
Paz e respeito. A cidade me respeita. Não é a filha do Lula que está ali, é uma pessoa normal. Em Maricá, consigo sair sem maldade. Maricá me dá liberdade.
Você tem vontade de ser prefeita de Maricá?
Fico lisonjeada porque gosto de Maricá, mas não se está discutindo sucessão. Quaquá tem dois anos de mandato. Minha preocupação é que conclua o mandato com excelência. Não é pretensão minha. O prefeito pode optar por quem ele quiser.
Aceitaria ocupar um cargo público na cidade?
Não tenho pretensão. Se tiver que ser, eu e Quaquá vamos ter que amadurecer a ideia. Gosto de trabalhar com executivo porque é possível ver o resultado. No parlamento, você depende muito dos trâmites. Em São Bernardo, teve até comício com meu pai e virei terceira suplente. Não foi ruim, pois vi como é a realidade numa campanha. Não quero tomar o lugar de ninguém, mas se Quaquá me chamar para ficar com a parte social, iria com todo prazer.
Lula seria ouvido antes de você decidir ser candidata a prefeita?
Se eu tiver que ser, ele não se oporia a nada, mas conversaria até por uma questão de hierarquia política. Ainda falta muito tempo até lá. Estou mais preocupada com a gente terminar o ano bem.
O que você e seu pai conversam sobre o momento político do país? Já não são poucos os que pedem o impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
A gente tenta fugir da política e fala de coisas amenas. É muito massacre o tempo inteiro, é raro conseguirmos um momento de paz. Vira e mexe dizem que nós já pedimos o impeachment de outros presidentes, mas não instauramos o ódio, não batemos em ninguém por vestir vermelho, azul. Até torcem pela morte dos outros. Estava indo para o trabalho quando ouvi no rádio que meu pai tinha tido alta do câncer, em São Paulo. O taxista vira e fala: deveria ter morrido, que morra a família inteira. Na hora, parei o táxi e desci. Criou-se um clima de que tudo é culpa do PT, e não é.
Essa insatisfação contra o PT te tornaria um alvo numa campanha?
Em Maricá e Niterói, não, mas muita gente do Sul me ataca nas redes sociais.
Pela abertura da ONG Rede 13, em Santa Catarina? Nas redes sociais, te acusam de ter enriquecido com dinheiro público.
A Rede 13 foi criada para disseminar o programa ‘Fome Zero’ em Santa Catarina. Trabalhei como voluntária, nunca teve dinheiro. Queria muito saber onde está a conta e a senha desse dinheiro que dizem que tenho. O ônus da prova não cabe mais a quem acusa, e ninguém prova nada.
Já vi propaganda de um terreno “ao lado da mansão da filha do Lula”. Absurdo, nunca tive cartão corporativo. Paguei a vida toda por ser filha de alguém.
Por que o estigma da corrupção colou tanto no PT, mais do que nos outros partidos?
Há uma manipulação de massa para isso não ser desvinculado do PT. O Mensalão é ‘Mensalão do PT’. O ‘Mensalão do PSDB’ é chamado de ‘Mensalão Mineiro’, por exemplo.
É só culpa da mídia? O PT não tem nenhuma responsabilidade sobre esses escândalos?
Não. Se eu digo que tem, coloco toda a culpa da corrupção do mundo no PT, e isso não é verdade. As pessoas ficam indignadas quando Dilma diz que não sabia dos desvios, ou o Lula fala isso. Daí, as pessoas dizem: mas eles tinham que saber! Veja aquele caso da menina que matou os pais: ninguém sabia melhor dela do que seus pais, e foram apunhalados. Imagina se você vai saber o que se passa dentro de um gabinete, com uma pessoa que as vezes você não tem a menor relação. Não se pode culpar alguém pelo que uma outra pessoa fez.
Mas se a pessoa é o gestor, nesse caso o presidente da República, não tem que saber?
Se foi omisso até o ultimo instante, e a pessoa será pega como todo mundo diante da traição, então você não sabia. Parto do princípio que todos são inocentes. Se não, se acharmos que todos irão trair, ninguém faz nada.
O ‘Mensalão’ jogou o governo Lula nas cordas e chegou a ameaçar sua reeleição. Nada perto da proporção que o escândalo de corrupção na Petrobras está fazendo com o governo Dilma, por exemplo. Por que?
O fato de Dilma ser mulher vulnerabiliza muito ela. A porrada vem muito mais forte. Quando ela teve câncer, por exemplo, vinham perguntar se ela estava de peruca. E tinham todo zelo com o José de Alencar. É um abuso, gostando ou não dela. Mas Dilma já passou por coisas muito piores do que um milhão de pessoas na rua, já passou por tortura. Ela sente o momento, mas se sente pior ao ver que outros estão sentindo mais do que ela.
Como é a relação entre Dilma e Lula? Dizem que anda estremecida: seu pai andou ‘cutucando’ a presidenta recentemente.
Eles têm relação de cumplicidade e carinho. Lula está deixando Dilma governar. Acho ótimo, porque ela não é ele. Ela criou o perfil dela, agradando ou não, é ela que está no poder. Mas amigo é isso: converge, às vezes diverge…
Que avaliação você faz da campanha de 2014?
Eu posso falar mais do que todo mundo e, sem dúvidas, de que essa campanha foi pior do que a de 1989. Lá, você teve um candidato que atacou e expôs na mídia uma intimidade do outro. E isso fez muita gente deixar de votar nele. Agora, nessa eleição não teve nada de pessoal, é ódio puro, de graça. As pessoas brigaram, não pode mais andar de vermelho…
Agora, como foi para você aquele dia em que o Collor exibiu um depoimento da sua mãe dizendo que o Lula a tinha incentivado a abortar uma criança que, na realidade, era você? O que passou pela sua cabeça?
A gente sabia que ia passar aquele depoimento, porque uma assessora do Collor deixou a campanha dele quando soube dessa baixaria. Na hora em que minha mãe entrou no ar, o Ricardo Kotscho (assessor de imprensa do Lula) veio me buscar e me “escondeu na casa dele. E as pessoas não queriam saber se era uma menina de 15 anos, queriam vir atrás de mim…
E depois disso? Como ficou sua relação com sua mãe?
Dois anos sem falar com ela. Eu não sei lidar com mentira nem com baixaria. Era criada pela mãe da minha mãe, e ela, quando viu aquilo na TV, disse “nossa, mas não foi nada disso que aconteceu…”. O problema, depois, é explicar para o mentiroso que aquilo ali tudo é mentira. Eu já conhecia minha história.
E anos depois, o mundo dá voltas, seu pai como presidente abraçou o Collor como senador.
Eu nunca falei isso pro meu pai, mas não teve cena mais prazerosa do que ver ele (Collor) se referir ao Lula como “presidente”. Não há prazer maior de ver o Collor, o homem que saiu pela porta dos fundos, ter que chamar de presidente o homem que foi aclamado pelo povo quando deu a faixa para Dilma. Dizem que vingança é um prato que se come frio… Não é vingança, sabe? É justiça.
Como seu pai se daria se tivesse, como Dilma tem, que enfrentar um presidente da Câmara como o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ)?
Se ele abraçou o Collor, com certeza se daria muito bem com o Eduardo Cunha. Eles podem falar o que quiserem do meu pai, mas na hora do olho no olho, eles baixam a guarda. Podem não concordar, mas sentam para o diálogo…
Hoje, é correto dizer que o PT está em crise?
Não é isso. O partido precisa se reconfigurar e se defender de todo esse ódio, tem que sair da zona de conforto. Bater no peito e dizer: sou petista mesmo. Tem que ir para rua.
Fonte:Leandro Resende, O DIA