Foi na última quarta-feira, às 10h. Cunha falou por cerca de uma hora sobre sua vitória, sobre a relação com o governo e com a oposição e, ainda, sobre o ritmo que pretende imprimir na Câmara dos Deputados. Enquanto falava, acompanhava a contagem dos parlamentares no plenário. Assim que houvesse quórum, ele leria o requerimento para a instalação de uma nova CPI sobre a Petrobras – o que, de fato, fez.
Retaliação?
– Óbvio que não – rebate.
Em seguida, elenca suas razões.
– O Brasil inteiro quer ver esse assunto passado a limpo. E agora, com as notícias que surgem a cada dia, é impossível dizer que não há fato determinado para uma nova CPI. E digo mais: se ela não fosse instalada, nós, parlamentares, não poderíamos sair na rua.
Cunha lembra, ainda, que mesmo que não tivesse havido o esgarçamento das relações PT-PMDB, durante a campanha que colocou os dois partidos em campos opostos, seria inútil tentar usar o regimento para tentar protelá-la ou derrubá-la.
– Existem as assinaturas e o fato determinado. Se não fosse instalada, a oposição iria ao Supremo Tribunal Federal, que determinaria a instalação.
Profundo conhecedor das regras da casa, Cunha promete ser um guardião do regimento e da Constituição. Sua presidência, assim como as relações com o Palácio do Planalto, serão marcadas pelo respeito institucional – é o que ele promete. Tanto que, no mesmo dia em que leu o requerimento para a instalação da CPI, Cunha teve seu primeiro encontro com a presidente Dilma Rousseff, no Palácio do Planalto.
Sorrisos e cargos?
A foto daquele encontro, com a presidente Dilma Rousseff ao lado do vice Michel Temer, e Eduardo Cunha no centro do sofá, entre o presidente do Senado, Renan Calheiros, e o ministro Aloizio Mercadante, em que todos aparecem sorridentes, poderia ser um emblema do fim da crise política.
Eis a lógica: mesmo derrotado, o Palácio do Planalto trataria, agora, de buscar uma convivência pacífica com seu ‘adversário-aliado’, ou seu ‘malvado favorito’, usando as armas tradicionais da política.
Haveria, então, espaço para um acordo nos moldes da chamada velha política, ou seja, com a distribuição de cargos na máquina pública?
Cunha garante que não.
– Se alguém do lado de lá ainda acredita nisso, vai ficar muito desapontado.
O novo presidente da Câmara dos Deputados sabe que sua força e sua liderança partem de um princípio novo. Ao contrário do presidente do Senado, Renan Calheiros, que até recentemente tinha o presidente da poderosa Transpetro em sua cota pessoal, Eduardo Cunha não quer cargo algum.
Sua força deriva da independência do parlamento. E da maior distância possível em relação ao Poder Executivo.
Um exemplo é a própria composição da CPI, tema do qual Cunha pretende se distanciar.
– Isso é com os partidos, não comigo. Cada um que indique seus representantes.
Outro é a própria reforma política. Sob sua gestão, uma das primeiras providências foi encaminhar um projeto do deputado Mendonça Filho (DEM-PE), que proíbe que uma nova legenda se funda com outra. O alvo parece ser o PL, que vem sendo articulado pelo ministro das Cidades, Gilberto Kassab.
– É incoerente falar em reforma política e estimular uma nova legenda para cooptar parlamentares – diz Cunha.
Financiamento público ou privado de campanha?
A reforma política é outro tema que distancia o presidente da Câmara do Palácio do Planalto.
Ainda que reconheça que alguns escândalos de corrupção possam ter relação com o financiamento privado de campanha, ele diz que a proibição das doações privadas não deve prosperar.
– Isso tiraria a legitimidade de todos os parlamentares atuais, que se elegeram com financiamento privado.
Cunha também aponta outro dado que, no seu entender, seria contraditório com a posição do PT.
– Em 2013, não houve eleição. Ainda assim, o PT arrecadou R$ 80 milhões de empresas privadas.
O presidente da Câmara sugere que, só agora, depois da Lava Jato, o tema se tornou prioritário para o partido. E diz que não tem nenhum receio das investigações.
– Podem investigar à vontade. Não vão encontrar nada.
O Legislativo com ritmo e agenda própria
O novo presidente da Câmara também tem, como prioridade, a definição de um novo ritmo na Casa. Ele garante que haverá sessões às segundas-feiras e também às quintas-feiras, até à noite.
– Estava virando uma farra. A semana começava na terça à tarde e terminava na quarta cedo.
Ele também diz que não haverá mais nada trancando a pauta, como vetos ou excessos de medidas provisórias.
– Tudo será votado. Vamos tirar da frente.
Com issso, ele garante, haverá espaço para que o Legislativo volte a cumprir sua missão, passando, portanto, a legislar.
Ele também não esconde suas posições em temas polêmicos e rebate as acusações de quem prevê um retrocesso de pautas progressistas.
Sobre o projeto que criminaliza a homofobia, ele diz que eventuais propostas não podem ferir a liberdade de culto.
– Se um pastor lê na Bíblia que o homossexualismo é pecado e lê isso também na sua igreja, ele não pode ser criminalizado, diz Cunha, que é evngélico.
Regulação da mídia, nem pensar.
– Esse setor já é excessivamente regulado no Brasil. Hoje, com as novas tecnologias, é muito mais simples produzir conteúdo do que no passado e não há monopólio nenhum na informação.
Cunha enxerga o parlamento como um espelho da sociedade. Uma análise recente do Diap apontou que a atual legislatura reflete um Brasil mais conservador nos costumes e mais liberal na economia. Ou seja, à semelhança do próprio Cunha, que se assume um liberal.
Ele diz, ainda que a crise da Lava Jato forçará um debate sobre o modelo de partilha no pré-sal versus o de concessões.
– Esse debate terá que ser feito pela casa.
Cunha, que se tornou a terceira pessoa na linha de sucessão da República por mérito próprio, sem dever favores a ninguém, quer também governar, na parte que lhe toca. Pela primeira vez em muito tempo, o Legislativo voltará a legislar. O que significa que o centro de gravidade do poder começa a se deslocar em Brasília.